A Cor Púrpura, o musical — de rara beleza
“O espetáculo apresenta a trajetória e a luta de Celie (Letícia Soares) contra as adversidades impostas pela vida a uma mulher negra, na Geórgia, no decorrer da primeira metade do século XX. Na adolescência, a personagem tem dois filhos de seu suposto pai (Jorge Maya), que a oferece a um fazendeiro local para criar seus herdeiros (entre eles, Harpho – Alan Rocha), lavar, passar e trabalhar sem remuneração. Ela é tirada à força do convívio de sua irmã caçula Nettie (Ester Freitas) e passa a morar com o marido Mister (Wladimir Pinheiro). Enquanto Celie resigna-se ao sofrimento, Sofia (Erika Affonso) e Shug (Flávia Santana) entram em cena, mostrando que há possibilidade de mudanças e novas perspectivas, esperança e até prazer. A saga de Celie é permeada por questões sociais de extrema relevância até os dias atuais como a desigualdade, abuso de poder, racismo, machismo, sexismo e a violência contra a mulher.” (Sinopse)
Que o espetáculo é uma obra-prima, isso já sabemos! Sucesso de crítica e de público, não poderia ser diferente. E por que escrever mais uma vez, sobre “A Cor Púrpura” se tantos críticos, já o fizeram antes? Porque é merecido, porque o teatro e a Cultura no Brasil precisam desse apoio, porque quando algo nos arrebata precisamos reverberar, para que o alcance chegue a mais e mais pessoas.
São exatamente três horas de espetáculo, de um trabalho potente. A obra, muitíssimo premiada durante a pandemia. A sensibilidade do saudoso Artur Xexéo em trazer uma versão menos violenta foi de uma nobreza incrível. Tudo entrelinhas, nada de ser um espetáculo violento, mas sim, leve. A beleza é tão grande, que a emoção invade, como ondas que surpreendem a plateia a todo momento.
Natália Lana, cenógrafa, entende de suntuosidade e assina com perfeição a cenografia. Construiu uma casa no palco, que em todo tempo se transforma. A casa gira e quando menos s imagina, já se está em outro espaço. Incrível a criatividade dessa menina! Falar de Natália não cansa, embora ela vez ou outra apareça aqui nessa coluna, seu imensurável talento e criatividade têm levado a profissional a ocupar fichas técnicas todo tempo. Palmas!
Os figurinistas mergulharam fundo nos anos quarenta, década em que a história está inserida. Ney Madeira e Dani Vidal souberam enaltecer a simplicidade com rigor, nobreza é o que se pode ver nesse quesito. Vida longa a eles!
A diretora de movimento também tem currículo extenso. Sueli Guerra é uma profissional de peso. Sabe fazer acontecer, cada atuação com movimentos corporais assinados por ela, uma direção visceral. Tadeu Aguiar é o diretor da obra, o que dispensa tecer comentários. A ele caberia agradecer por esse trabalho, digno de uma coroa de louros, de ouro, lógico!
Rogério Wiltgen assina o desenho de luz, que dá ainda mais graça a tudo que se assisti. O iluminador entendeu a grandiosidade desse texto e soube dar a luz certa, criar o ambiente certo para quem assiste. A iluminação equilibra cada cena. Tudo belíssimo!
A direção musical do profissional Tony Lucchesi arrasa. Nada do que possa ser dito será suficiente para fazer entender tamanha benfeitoria.
Falemos agora do elenco! O que é Letícia Soares? Que voz tem essa atriz, que talento! Parece que ela faz tudo de maneira simples, sem esforço, como se fosse fácil. Ela faz seu trabalho com leveza, embora Celie seja uma protagonista sofrida, Letícia faz dela uma personagem robusta, que entra nos corações e os invade de sobriedade. Ela chega mansa ao palco e quando menos se espera, ela cresce e como um vulcão explode diante dos olhos dos espectadores. Há de se entender suas premiações, mais um nome inesquecível, que chega para lacrar, a menina Soares esbanja competência.
Alan Rocha merecia um, dois ou até mais parágrafos. Nada se faz tão belo quanto sua atuação. Alan é professor, um cidadão que chega do subúrbio carioca para alcançar o estrelato por pura competência. Alan chega ser divino, com suas expressões corporais e faciais, rouba risos da plateia e faz com que os olhos dos espectadores o sigam. De certo, essa é uma sensação que chegou para ficar, a certeza de que Alan não pode e nem deve sair dos palcos. NUNCA MAIS! O dom do ator é óbvio, é nato, tudo que faz leva a crer. Assistir a Alan é prazeroso, ele é tão eficaz em seu ofício, que montou um personagem diferente, completo e cheio de graça. Um presente a todos que assistem a essa maravilhosa obra. Uma das melhores performances já assistidas no Teatro. Ele cabe bem em todas as cenas, é repleto de expertise. Não caberia a outro ator representar Harphor, isso é fato!
Erika Afonso, a atriz representa Sofia, que engravida de Harphor (filho do antagonista), ela é mandona, divertida e quando abre a boca, leva a todos que a assistem aos céus. Ela é forte, trata-se de uma atriz imensa, destemida, tem presença de palco e seduz com sua atuação, isso é fato! Como não premiar a todos esses grandiosos profissionais?
O trio das fadas, composto por Claudia Noemi, Hannah Lima e Suzana Santana, é mágico. Como as fadas da bela adormecida — perdoem a comparação lúdica infantil — mas elas são mágicas e tão bem caracterizadas, trazem ao espetáculo notas de perfeição! Um verdadeiro encanto quando unem as vozes, delirantes é o que são!
Impossível nesse momento, não fazer uma reverência ao diretor Tadeu Aguiar, por saber não limitar grandezas e acentuar a grandeza de cada artista mencionado. Certamente um trabalho árduo, que requer atenção e exige entrega do diretor artístico, toquem as cornetas para esse brilhante profissional! Afinal a realeza merece! Que rufem os tambores para esta impecável ficha técnica!
Analu Pimenta, que voz potente tem a atriz! Toma conta do pedaço, quando entra em cena. Definida, propositalmente divertida, e cheia de sapiência! Precisão deveria ser o sobrenome da profissional, pelo domínio vocal, raramente ouvido com frequência.
Flávia Santana, a Shug Avery, chega com maturidade. A redentora da antagonista é uma bomba, uma atriz que presenteia os colegas de cena, levanta a plateia e rompe a quarta parede com supremacia. É impossível não se sentir na década de quarenta com Flávia, ela soube ouvir e seguir seus instintos e ouvir os profissionais que a conduziram esplendorosamente bem!
Aos demais artistas, o que se pode dizer? Todos merecem aplausos, fica evidente aos espectadores a brilhante fase de suas vidas profissionais, porque cantam e dançam sem pecar, todos belíssimos e impecáveis em cena, transformam a vida de quem os assiste, deixam todos boquiabertos. Nada seria possível sem cada um deles, cada qual com seu papel e sua relevância. O Teatro obviamente, em algum momento os alcançou e os presenteou com talento, vocação e arte, assim em contrapartida eles presenteiam a sociedade com seus trabalhos magníficos, como passarinhos cantadores, difíceis de se encontrar por aí, diamantes muito bem lapidados. Os nomes ficaram gravados a ouro em todos que os assistiram, gratidão a esse precioso elenco!
FICHA TÉCNICA
Texto: Marsha Norman
Músicas: Brenda Russell, Allee Willis e Stephen Bray
Versão Brasileira: Artur Xexéo
Direção Geral: Tadeu Aguiar
Direção Musical: Tony Lucchesi
Elenco: Letícia Soares, Wladimir Pinheiro, Flávia Santana, Jorge Maia, Alan Rocha, Ester Freitas, Erika Affonso, Analu Pimenta, Suzana Santana, Cláudia Noemi, Hannah Lima, Caio Giovani, Renato Caetano, Thór Jr, Gabriel Vicente, Leandro Vieira, Nadjane Rocha.
Assistência de direção: Flávia Rinaldi
Produção de elenco: Marcela Altberg
Cenário: Natália Lana
Figurino: Ney Madeira e Dani Vidal
Desenho de luz: Rogério Wiltgen
Desenho de som: Gabriel D’Angelo
Coreografia: Sueli Guerra
Assistência de cenografia: Gisele Batalha
Assistência de Coreografia: Olívia Vivone
Assistência de direção musical: Thalyson Rodrigues
Mídias sociais: Rafael Nogueira
Designer gráfico: Alexandre Furtado
Produção executiva: Edgard Jordão
Coordenação de produção: Norma Thiré
Produção Geral: Eduardo Bakr
A COR PÚRPURA
Temporada até 20/02
Teatro Riachuelo
Rua do Passeio, 40, Rio de Janeiro
Quinta e Sexta às 20h, Sábado, às 16h e 20h30 e Domingo, 18h
Ingressos: Plateia Vip R$170, Plateia R$130, Balcão Nobre R$90, Balcão Superior R$50