Umberto Eco previu que a Internet daria voz a multidões de estúpidos. Um típico artigo publicado para provocar polêmica listou “autores superestimados” em redes sociais de uma agência de comunicação canadense. A relação compilou críticas desfavoráveis de especialistas em literaturas e blogueiros, que coloca ao lado a lado escritores de clássicos, de best-sellers e fenômenos editoriais, chamando de inconsistente a obra de Hemingway (‘pessoa monumental, mas sem grande força literária), e revelando que Marcel Proust pagava jornalistas para publicarem boas resenhas sobre “seus livros de longuíssimas frases, uma delas com quase 1000 palavras”.
A inconsistência da maioria das observações não chega sequer ao massacre que sofrem Ronald Dahl ou Monteiro Lobato, por expressarem, segundo seus detratores, discursos de ódio machistas e racistas, poupados do tal post. A argumentação é tão rasteira que classifica Stendhal de “um daqueles autores que todo mundo se jacta de ter lido, quando ninguém realmente leu. Alguém consegue se lembrar da história de ‘O vermelho e o negro’?”. A lista traz, entre tantos escritores de diferentes segmentos, E.L. James, a autora de 50 tons de cinza, cuja obra tem a mesma relevância das fotonovelas nas décadas de 1960 e 1970.
O defeito de Gabriel Garcia Marquez, diz a lista, é repetir nomes de personagens em Cem anos de solidão, confundindo os leitores. O livro que revolucionou o mercado editorial mundial, trazendo um novo olhar dos eurocêntricos para a produção literária da América Latina, é avaliado apenas e somente pela repetição onomástica, escolha bastante comum na humanidade, não apenas entre os latino-americanos.
Outra denúncia, mais do que conhecida por leitores desde o século XIX, é que a imensa obra de Alexandre Dumas foi escrita por ghost writers. Empregando redatores aos quais passava a base dos enredos, Dumas mantinha a mesma estrutura de escritores de telenovelas brasileiras e dos autores de best-sellers, como James Patterson, que integra a lista por haver escrito mais de 200 livros com grupos de colaboradores. Há ainda a revolta por Stephen King atribuir poderes mágicos ao sangue menstrual (a fonte é uma tese sobre Carrie, a Estranha, adolescente que desperta sua força magnética depois da primeira menstruação), enquanto chovem atribuições de misoginia a Kurt Vonnegut Jr e a George R.R. Martin.
Além do falso esquecimento da obra de Stendhal (desdenhar de O vermelho e o negro é tão absurdo que não merece comentário) existe uma leitura errada das críticas pinçadas. J.D. Salinger estaria ultrapassado segundo a pela superficial referência a um artigo de Ron Charles, crítico literário do Washington Post. Charles diz que o jovem Holden Caufield não corresponde aos personagens adolescentes da atualidade, pois hoje os protagonistas de romances teen – como O apanhador no campo de centeio foi classificado, no lançamento, em 1951 – não se limitam a rapazes brancos heterossexuais. O crítico acredita que a reclusão de Salinger, que não dava entrevistas, nem era visto em público, prejudicaria a venda de seus livros, pois atualmente um escritor precisa ser presente em redes sociais. São observações sobre a época, mais do que a respeito da qualidade do romance.
Do alto de mais de 350 milhões de exemplares de seus livros vendidos no mundo inteiro, Paulo Coelho comentou estar em excelente companhia na lista. Até quem não faz parte de seus milhares de admiradores concorda. Polêmica sempre vendeu jornal. Agora, atrai seguidores. Ou haters.