Por trás das Rayssas, Rebecas, Flávias, Lauras, Luisas e Simones existem meninas, ou meninas se transformando em mulheres, ou mulheres no início da vida adulta, todas com muitos anos dedicados aos treinos, aos compromissos, à disciplina e ao preparo para competições.
Seja como for, existem pessoas humanas, repletas de subjetividades por trás, pessoas únicas, frutos de uma construção, que vai muito além daquilo que nos é aparente, como uma história de vida sacrificada, a superação de obstáculos e adversidades dos mais variados tipos, realidades sociais e familiares complexas e porque não dizer até mesmo condições locais, regionais e nacionais absurdamente dispares umas das outras.
Mais do que pontuar as possíveis diferenças e situações individuais, existem aspectos que sempre foram e serão imensuráveis, imprevisíveis ao olhar alheio, ainda que os olhares externos do mundo estejam atentamente direcionados a essas meninas preciosas e porque não dizer, “de ouro”. “De ouro” porque representam nações e para tanto tiveram uma trajetória percorrida, que por si só, já as faz merecedoras desse codinome.
Mas destaco aqui dois adjetivos utilizados acima e que me parecem resistir ao longo de todas as mudanças da história da humanidade. Através dos séculos a humanidade passou por profundas e significativas rupturas no que diz respeito ao intangível. Crendo em um, ou mais deuses, do monoteísmo ao politeísmo sempre buscou “justificar” o imensurável e o imprevisível. A humanidade sempre teve nuances inexplicáveis, que revelavam diferentes reações a um mesmo estímulo, episódios que para alguns são traumáticos, para outros são desafiadores.
Talvez, porque não podemos mensurar mesmo, os efeitos das pressões externas e internas, que cada uma dessas fadas, princesas ou rainhas sofrem. A liberdade da proximidade etária com a infância talvez tenha feito a “fadinha”, que não quer mais ser alcunhada assim (com razão) dançar livremente entre segundos decisivos para a conquista de sua medalha de prata no skate, avante Rayssa Leal!
Da mesma forma, a imensurável dor da lesão na Flávia Saraiva, não a parou de imediato e ela ainda tentou, até onde pode representar o país na ginástica artística. Imensurável o feito da princesa Rebeca Andrade ao conquistar duas medalhas inéditas para o Brasil nessa modalidade!
Imprevisível até uma semana antes do início da competição era a participação de Luisa Stefani e Laura Pigossi nas Olimpíadas de Tokyo, que dirá então, sobre ter uma medalha no tênis feminino? De certo, Maria Ester Bueno se orgulharia em ver o desempenho das brasileiras no esporte que tanto defendeu!
Tão imensurável quanto imprevisível foi a desistência da grande rainha Simone Biles, diante de suas condições psicológicas. Não podemos nos eximir da referência que essas figuras públicas do esporte são, para legiões de outras meninas, no mundo todo.
A impossibilidade de se mensurar o imensurável e de se prever o imprevisível precisa ser considerada, as subjetividades individuais, das novas gerações precisa ser seriamente levada em consideração. A humanidade, em sua busca racional, quantitativa, vem desde Copérnico beneficiando-se sem dúvida das matemáticas. Nada contra. Mas nem tudo é matemática. Por vezes, a tendência da quantificação, nos leva a transformar tudo em números. Somos uma nota acadêmica, um saldo bancário, uma colocação num ranking, num concurso, num processo seletivo. Somos um número de CPF, um NIS, um Cad Único e a quantificação dos padrões de renda, conseguem até mesmo no meio desses nomes nos distinguir. Precisamos nos voltar também para o intangível, para o imensurável, para o imprevisível e aprender a ser feliz com aquilo que a vida apresenta. Pelas rainhas, pelas fadas e princesas, que ao redor do mundo estão nesse momento se inspirando, esta coluna faz esse apelo: Salve a Rainha! No sentido, mais literal da palavra. Para que reconheçamos e aceitemos os limites físicos e emocionais de nossas atletas e das que ainda estão por vir!