Montgomery Clift ou Gustavo Gasparani?

O Teatro Carioca atravessa um momento difícil, parece que as pessoas não se atraem por conhecimento, a cada dia, o homem empobrece intelectualmente, escolhendo até mesmo canções, que em nada somam ou aguçam o intelecto. E será por falta de um mercado cultural mais atrativo? Mais sedutor? Não! Definitivamente, não! Eis aí o espetáculo “Como Posso Não Ser Montgomery Clift?”, que atende perfeitamente à contemporaneidade.

A peça acabou de chegar de uma bem-sucedida temporada em São Paulo, não poderia ser diferente, os paulistas parecem entender muito bem de Teatro, é a cidade que mais tem salas teatrais, no Brasil. Sempre que uma montagem é sucesso por lá, não se pode deixar de assistir, se a oportunidade aparecer por aqui!

“A peça ‘Como Posso Não Ser Montgomery Clift?’ se passa no momento, em que exausto do assédio e da pressão dos meios de comunicação e da indústria cinematográfica, Clift decide abandonar o cinema para voltar ao Teatro e realizar o sonho de montar ‘A Gaivota’, de Tchekov. Monty, como era conhecido na intimidade, enfrenta as sequelas de um acidente de carro, que desfigurou seu rosto, além dos conflitos com a sua homossexualidade, a conturbada vida familiar e as relações com os colegas de profissão.” (Sinopse)

Vamos falar de Gustavo Gasparani. Confesso que já o vi em alguns teatros, mas nunca o tietei, mas não porque a vontade foi pequena, e sim por inibição, provavelmente por respeito, ou quem sabe, pela forma como o enxergo, imenso!

“É uma alegria poder comemorar os meus 40 anos de carreira em um espetáculo que reflete sobre a condição do ator e, ainda, discute a homofobia na indústria do entretenimento. Como diz, Montgomery Clift: ‘Quando a luz se apagou, nunca mais houve outra felicidade senão aquela, a estúpida felicidade de ser outro’. Nada melhor do quer ser outro para nos libertarmos de nós mesmos.”, afirma Gustavo Gasparani.

Gustavo é uma fera, ao se falar de Teatro, o artista entende de Artes Cênicas, exatamente por isso, tenho devoção por ele, imensa admiração por suas obras. Certamente, ele se alimenta de Teatro, respira Teatro, não há dúvidas! Ele sabe idealizar textos, fora da caixinha, daqueles que fazem o público sair das salas teatrais entorpecido. Ele injeta em nossas veias, textos impactantes, ricos demais, com uma carga de criatividade e de dramaturgia fora do comum, afinal, são 40 anos atuando! Ele dança, escreve, canta e é bonito! Ah! Gustavo, é o cara!

O ator perfeito para interpretar Montgomery Clift, só não estou cem porcento certa, pois as saliências ósseas nos pés do Gustavo podem não ser as mesmas dos pés de Mont, mas quanto ao resto, o artista leva estrelinha dourada! (uma quebra, as críticas andam muito parecidas).

Gustavo é tão concentrado em palco, que mesmo se um objeto pesado cair na sua frente, ele não se desconecta de seu papel. Sou testemunha ocular dessa cena. Eu, na primeira fila, deixei meu anel cair, de resina, desenhado por um artista, bastante pesado, caiu sobre o chão de madeira, o ruído não foi baixo, no entanto, quem tem talento, tem! O incidente foi o mesmo que um passarinho de pequenas plumas tivesse pousasse sobre um fio, totalmente indiferente para o artista, que parece estar em transe nessa obra.

Gustavo é também o idealizador desse projeto, e entende perfeitamente o que é a vida de artista, ele é um grande artista, não é qualquer um. São catorze mil e seiscentos dias de experimentos cênicos, certamente, sua atuação vai muito além do que viver o outro sobre um palco.

O tom de voz de Gasparani está incrível, ele encarna com perfeição Montgomery. O espetáculo conta a história do artista, após o acidente em 1956. O texto é sedutoramente anacrônico, ele é contado de maneira diferente, de trás para frente, são inúmeras revisitas do artista ao próprio passado, presenteando a obra com dinamismo.

Quem foi Montgomery? Edward Montgomery Clift foi um ator estadunidense indicado quatro vezes ao Oscar, amigo de artistas conhecidos mundialmente como Elizabeth Taylor, Marlon Brando, Frank Sinatra e trabalhou com Marylin Moroe. Não estamos falando de qualquer artista. Montgomery era homossexual, mas nada da sua vida era exposto. O obituário do The New York Times reconheceu sua interpretação como “temperamental, jovem e sensível”. Ele também está na calçada da Fama, isso talvez bastasse para entendermos o tamanho do artista.

Natalia Lana assume o cenário que leva a vida do artista do abismo ao estrelato, dos flashes da fama à derrota para os vícios. A cenógrafa Lana já não precisa de críticas, ao ver o nome dela em uma ficha técnica, é fato que o cenário será pretensiosamente bom. Banheira ou túmulo, somente vendo para crer! Dona Natalia Lana é uma das maiores cenógrafas do Teatro brasileiro!

O figurino de Marieta Spada é perfeito. Um belo fraque é levado ao palco, camisa branca, branquíssima, abotoaduras douradas, uma calça bem cortada e um lenço de bolso muito bem-vindo! Há capricho, elegância e verdade, tudo feito por um olhar atento, que soube captar décadas e fatos.

“A força deste projeto está no coração do ator. É um espetáculo construído no mergulho vertical, profundo, da construção de presente, passado e vislumbrar o possível futuro de um homem diante de seu próprio precipício, que são seus desejos mais sinceros e lutar por eles.”, explica o diretor Fernando Philbert.

Esse diretor está presente em espetáculos suntuosos, inteligentes, parece que escolhe a dedo o que vai dirigir, ele é assim, assertivo em tudo que faz, tem beleza, e tem o que a arte busca: sentimentos!

“A força deste projeto está no coração do ator”, essa frase merece ser lida, uma, duas, três, ou muito mais vezes. A busca incessante do artista para fazer o melhor é uma luta que está intrínseca no profissional cênico. Uma busca que não finda. E com ele, por trás dele, está o diretor, que o carrega de encontro à plateia, com um olhar cuidadoso. Pode-se dizer que no caso desse espetáculo, temos duas grandes águias, Gasparani e Philbert! E claro, que não poderia ser diferente, não poderia ter outro resultado, os grandes críticos do Estado do Rio de Janeiro se deleitaram no que esses artistas montaram. (sinal da cruz)

A obra é resultado de qualidade. Os movimentos do artista no palco estão lindos, suas expressões faciais um escândalo, e quem não conhecia o artista Mont Clift correu para casa para ver se ele se parecia mesmo com Gustavo! Creiam!

FICHA TÉCNICA

Texto: Alberto Conejero López

Tradução: Fernando Yamamoto

Direção: Fernando Philbert

Atuação: Gustavo Gasparani

Cenário: Natália Lana

Figurino: Marieta Spada

Iluminação: Vilmar Olos

Programação Visual: Mary Paz

Participação em áudio: Claudio Gabriel, Cesar Augusto e Isaac Bernat

Direção de Produção: Fabricio Polido

Assistente de direção: João Sena

Realização: Coisas Nossas Produções Artísticas, Prefeitura do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e Programa de Fomento à Cultura

Assessoria de Imprensa:  jspontes comunicação – João Pontes e Stella Stephany

Fotos: Nil Caniné

 

COMO POSSO NÃO SER MONTGOMERY CLIFT?

Temporada até 12/2

Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto

Rua Humaitá, 163, Humaitá

Sextas e sábado, às 20h e domingos às 19h

Ingressos R$40 e R$20 (meia)

Duração 70 minutos

Classificação 16 anos

Vendas pela plataforma www.sympla.com.br

Bilheteria aberta de sexta a domingo, 1 hora antes das apresentações