Kafka e o seu macaco humano

“Um relatório para academia” é um dos contos de Franz Kafka publicado, em 1917. Na história contada por um dos maiores literários do mundo, o macaco Peter aprende a se comportar como humano e para surpresa de todos, Beto Brown dá vida a esse incrível personagem, que poderia ser só mais um personagem, não fosse a bravíssima interpretação do ator Eduardo Andrade.

Eduardo é palhaço, parece estar em casa junto ao primata nessa criação, parte circense, como conta Kafka e Brown.  É a simbiose entre o artista e o macaco que presenteia os espectadores.
O artista se transforma em Peter, de forma irretocável, sem arranhões. Seu comportamento corporal é impressionante, admirável. Um macaco elegante, desenhado com esmero em cada movimento.

Esses deslocamentos corporais quando bem executados são admiráveis, pois são proporcionalmente levados ao palco com destreza, quanto melhor a execução, maior a destreza diante da plateia. Impossível não perceber, mesmo se não houvesse uma dramaturgia falada, que se trata de um primata.

O personagem se mostra como um ex-símio, por sua capacidade evolutiva de se transformar em humano. O que não parece ser um grande feito em vista das presepadas dos homens contemporâneos, ditos racionais.

Peter, ou Pedro, trabalha em um circo e começa a se perguntar como homens pagam para assistir aos malabaristas fazerem o mesmo que fazem os macacos dependurados nas árvores sem cobrar nada por isso, dessa reflexão observa-se a capacidade intelectual e de percepção do macaco. Peter foi capturado na África e levado de navio para Hamburgo, até vir parar em Copacabana para contar sua história. A caracterização e as expressões faciais do artista são fidedignas ao personagem.

As observações, sobriamente narradas por Peter, são de um caráter irrepreensível, principalmente, diante das dicções visivelmente bem ensaiadas do ator. Ele, inteligentemente, convida o público a fazer análises mais profundas, principalmente a respeito da convivência entre humanos.

O texto carrega sapiência e é muitíssimo bem executado. Provocador por parte de Brown, isso é evidenciado no transcorrer do espetáculo. Chama atenção as onomatopeias do símio, ou ex-símio, nas suas falas humanas.

O audiovisual bem executado, no Teatro Gláucio Gil, um dos berços dos artistas cênicos da cidade do Rio de Janeiro. Boa iluminação e audição.

Não mencionar Teca Fichinski e o figurino elaborado por ela seria covardia, pois corrobora com a aparência impecável do primata, que escolarizado, parece um verdadeiro europeu intelectual. O colete compõe a indumentária e remete ao macaco tocador de realejo. Essa perspicácia tinge, com maestria, os olhos dos espectadores. Os anéis testemunham a diferenciação entre o primata e o homem, o dedão. O cenário, também criado por Teca, transporta a uma jaula, tudo bem demarcado. Objetos em cena também falam e testemunham a adaptação do conto. Cores sóbrias em todo o espetáculo, emolduram as cenas. Um espetáculo erudito imperdível.

“Ora, naqueles homens não havia nada que me atraísse. Se eu fosse um adepto da já referida liberdade, teria com certeza preferido o oceano a essa saída que se me mostrava no turvo olhar daqueles homens. Seja como for, porém, eu os observava desde muito tempo antes que viesse a cogitar nessas coisas – sim, foram as observações acumuladas as que primeiro me impeliram numa direção definida.”

Imagina se o símio de Kafka conhecesse os humanos de hoje em dia, o que veria nesses olhos?

Foto divulgação

MACACO – RELATÓRIO A UMA ACADEMIA

Temporada gratuita no Canal Dudu Arte5 do Youtube

Até domingo, 17h e 20h

Às 17h com tradução em libras

Acesse: https://youtu.be/u70ByKdXz5k

FICHA TÉCNICA

Texto: Franz Kafka

Adaptação e direção: Beto Brown

Atuação: Eduardo Andrade

Iluminação: Djalma Amaral

Cenário e Figurino: Teca Fichinski

Trilha Sonora: Marcos Kuzka

Direção e preparação corporal: Tatiana France

Visagismo/maquiagem: Rose Verçosa

Direção de produção e Produção executiva: Rosane Cartier – Lumen Produções

Programação visual/Designer: Danielle Martins

Direção de imagens e vídeo: Alonso Martinez

Administração financeira: Marcela Sá – Lumen Produções

Assessoria de imprensa: Luiz Menna Barreto

Assessoria em Redes Sociais: Flavia Brasil

Assistente de direção: Tatiana France

Assistente de figurino: Bella Cardoso

Assistente de maquiagem: Flavia Brasil

Contrarregra: João Elias

Operação de Som: Marcos Paulo do Couto Valle

Assistente e operação de luz: Jorge Raibott

Câmeras: Ulysses Elmer da Costa Moraes e Maurício Cardoso

Fotografia: Alonso Martinez

Montagem:  Sidney da Silva Corrêa e Jorge Raibott

Costureira: Francisca Lima Gomes

Intérprete de Libras: Juliete Viana

Administração Arte5 Produções: Joana Damazio

Realização: Arte Cinco Produções