Foto da foto

Olhando um imóvel para alugar, vivi uma situação inusitada. E não é papo de cronista para render texto, não. Aconteceu mesmo. No final da visita ao apartamento, o corretor me perguntou se eu me incomodaria de sair sozinho, porque ele precisaria usar o banheiro. Dominado pela dor de barriga que residia nele, o homem mal me esperou sair pela porta da frente. Eu não aluguei o AP, mas se tivesse fechado o negócio, poderia dizer que a privada do banheiro reformado recentemente havia sido estreada antes da mina mudança.

Meses depois, olhando outro apartamento, sou atendido pelo mesmo corretor. Lembramos da história e demos boas risadas. Bom de papo, ele me contou outros causos da corretagem. Um deles, recente, era sobre um cliente que ficava tirando fotos e mais fotos dos imóveis e não alugava nada. Irritado com a situação que o faz perder tempo inúmeras vezes, o corretor da anterior dor de barriga mandou o possível (ou impossível) locatário para longe de sua vista.

O corretor não descobriu o motivo, mas ficou muito irritado com o fato de o cara só tirar fotos, em várias visitas e nunca fechar, alugar, nada. E pior: usava dois celulares. Um para tirar foto da tela do outro. Sim. Ele tirava foto da foto. Seria um voyeur de imóveis? Um olheiro de casas? Um indeciso patológico? Ou apenas um desocupado sem noção? Segundo o corretor, eram muitas e muitas fotografias todos os dias. Isso me deixou intrigado. Não pelos imóveis, mas pelas fotos.

Em minha última viagem ao Nordeste, na casa dos meus avós, na Paraíba, vi muitos álbuns de fotos antigas. É interessante como nossa relação com a fotografia mudou. Antes das máquinas digitais e celulares, os cliques eram para eternizar momentos. Agora são para a “momentanização” de eternidades.

A questão é que as fotos de antes da era digital eram sempre em situações muito importantes. Um aniversário, um casamento, uma paisagem especial, um passeio único. Agora é foto em todo canto, de qualquer coisa, em qualquer lugar para sumir em 24 horas no revelado Instagram. Não que seja ruim fotografar tudo. Muito pelo contrário. Registrar diversos momentos é bonito demais. Eu mesmo faço bastante. No entanto, talvez isso gere uma banalização do que deve ser lembrado. Não tem nuvem que dê jeito em tanto retrato.

Será que estamos vivendo mais momentos importantes que antes? Ou estamos notando mais importância em momentos que em outras épocas eram considerados banais? Dúvida Tostine da vez.

Tem uma crônica linda do Antônio Prata – se chama “Recordação” –, que fala um pouco sobre isso. No texto, um taxista conta a uma passageira que ele perdeu a esposa, com quem faria 25 anos de casado. O motorista do táxi se queixa de não ter nenhuma foto da amada fazendo “as coisas dela”. Só tinha foto dela em casamentos, andando de jet-ski, ou seja, em situações fora da rotina. Ele queria lembranças dela sendo ela. E só.

Eu não vou chegar a nenhuma conclusão com esse texto. Nenhum clique eterno. Se fosse para fechar um raciocínio, faria um artigo, não uma crônica. Só quero pensar, ver e lembrar. Seja com foto ou sem, como foi no caso da “inclicável” dor de barriga do corretor de imóveis.