Era para ser Medeia, mas não foi

Dois atores preparados surpreendem ao trazer um tema tão atual. Machismo, abuso de poder, exposição da vida privada estão entre eles. Por intermédio de Era Medeia pode-se ter uma noção maior de como se constrói um espetáculo, que não é tão fácil como se pensa. Os dois atores trazem à tona a vida íntima do casal e os espectadores acabam como testemunhas dos fatos apresentados.

Existe uma demanda que absolve os profissionais cênicos dos seus mergulhos inimagináveis.

Chama atenção a entrega dos atores aos papéis. Há uma enorme naturalidade dos envolvidos ao encarnarem os personagens, parecem intrínsecos à ficção. Essa construção teatral, por vezes, tão exaustiva, demanda dedicação e esforço como qualquer outro trabalho, talvez por isso, a execução seja bem acolhida. Era Medeia é um espetáculo artesanal, como o teatro deve ser.

Figurino seco e a iluminação contribui como se fosse o terceiro personagem da obra. Texto inteligente.

A atriz que interpreta Verônica Albuquerqunas parece reviver toda a repressão da Medeia, embora não fosse essa a intenção inicial do diretor Pedro Lobo ao dar vida a tragédia grega.

O personagem do ator Eduardo Hoffmann inicia com simpatia, mas com o decorrer da tragédia passa a construir um antagonista nada agradável.

O diretor e também ex-marido da atriz Isabelle Nassar, de maneira quase desumana estabelece uma relação abusiva, incrivelmente agressiva à protagonista. Com a desculpa de aprimoramento profissional, belo disfarce à violência psicológica causada à atriz.

Isabelle conquista o público, com uma força incrível, ela contribui para que o espetáculo ofereça uma estética linda.

Medeia é uma personagem complexa, basta perceber seus feitos para concluir ações e reações, muitas vezes julgadas. Medeia de Eurípedes carrega fúria diante dos fatos, diante dos golpes, diante das dolorosas traições, que culminam em contra golpes cruéis.

Essa complexidade dos personagens pode ser percebida espelhada nos papéis dos artistas em palco. A repressão do diretor é de uma frieza, que angustia.

Mas a Medeia vingativa só fica mais evidenciada na história da mitologia grega, Verônica parece agonizar para não perder o seu papel. Eduardo Hoffmann atua de maneira tão convincente e natural, quase não percebemos sua narrativa como parte do espetáculo.Surreal essa dinâmica do diretor Eduardo Hoffmann! Suas palavras chamam a atenção quando fala da própria obra.

“O fato de estarmos vivendo uma realidade social e política extremamente ‘espetaculizada’ contribui para que o caráter ficcional da arte esteja cada vez mais com sua potência diminuída. E já faz bastante tempo, que os reality shows tornaram as pessoas personagens mais interessantes aos olhos do público do que os personagens criados nas obras de ficção. É uma extrema necessidade de ser arrebatado pelo REAL”, analisa Hoffmann.

Medeias e Verônicas, enredo de histórias que se repetem, mesmo diante do que se julga tacanho e violento.

Para entrar neste caldeirão fervescente de emoções é necessário se permitir levar pelo encantamento da obra.

ERA MEDEIA

Temporada até 31/3

Terças, quartas e quintas, às 19h30

Ingressos: R$30 (inteira) e R$15 (meia)

Gratuidade para professores e estudantes do município

Adquira seus ingressos: http://bit.ly/eramedeia

FICHA TÉCNICA

Idealização: Eduardo Hoffmann e Isabelle Nassar

Texto e direção: Eduardo Hoffmann

Supervisão artística: Cesar Augusto

Argumento: Marina Monteiro

Elenco: Isabelle Nassar e Eduardo Hoffmann

Produção: Guilherme Nanni

Iluminação: Renato Machado

Figurino: Tiago Ribeiro

Costura: Ateliê das Meninas (Maria e Zezé)

Concepção cenográfica: Cesar Augusto e Eduardo Hoffmann

Produção de adereços: Patrícia Ramos

Trilha sonora: João Mello e Gabriel Reis

Arte gráfica e identidade visual: Márcio de Andrade

Produção de vídeos: Celavi Filmes

Fotografia: Renato Mangolin

Foto Renato Mangolin