Caia na real em Tráfico

Quando um texto tira você da zona de conforto, a concepção pode não ser das melhores inicialmente, no entanto, quando um ator trabalha visceralmente, dando tudo de si, o espectador entende mais das intenções da obra.

“A peça se passa na periferia de uma cidade latino-americana, cheia de desigualdades, onde vive Alex, um jovem garoto de programa. Os problemas familiares, o relacionamento conturbado com a namorada e a vontade de vencer na vida, representada pelo sonho de comprar uma moto de alto luxo, o levam a caminhos sedutores e também muito violentos. A partir de uma paixão, a história chegará a áreas mais sombrias da vida desse personagem, que paralelamente a sua profissão de garoto de programa, se torna um assassino de aluguel. Aos poucos, começa a surgir uma trama fascinante que mistura a narração de seus encontros, seus sonhos e o seu dia a dia. Ao longo da peça, Alex vai se desnudando, expondo seu lado mais ingênuo e mostrando seu lado mais monstruoso.” (Sinopse)

Difícil descrever a dramaturgia, pois se trata de um texto denso, carregado de palavras tensas, que não devem ser mencionadas, no entanto, justamente neste contexto pode-se entender o que o dramaturgo quis trazer ao público. Nem tudo são flores, fica fácil repetir o jargão, e justamente quando as flores deixam de existir, pode-se ficar encurralado, com uma sensação de que algo está errado, como se aquele mundo não lhe pertencesse, mas pertence.

Vivemos em uma sociedade e não em uma bolha, onde o mundo não gira da forma que desejamos, isso é fato. Existimos em um mundo onde nem todos têm as mesmas chances, e a partir desta realidade, o feio nasce e acontece. É sobre isso que o espetáculo trata.

Sergio Blanco, também autor das obras “Tebas Land”  e “A ira de Narciso”, espetáculos que traduzem o que é sucesso de público e de crítica, é quem assina esta dramaturgia. Se ele peca, talvez seja pelo hábito de não gostamos de encarar a realidade, tal qual ela é.

A direção de arte é do imenso Gilberto Gawronski. Um par de retrovisores de moto imensos, ao fundo do palco e também o figurino de motoqueiro, nada mais justificável. Não precisa muito, pois mais uma vez, o que faz valer a obra é a tríplice cênica, público, artista e texto, o que Gilberto entende muito bem. Quem o conhece, sabe o artista multifacetado que é. Giba criou um dos seus maiores espetáculos dentro de uma boate, e com ela foi para fora do Brasil. O artista tem um dos principais prêmios de Teatro em sua caminhada. Aliás, tatuagens de mentira contam verdades, sensacional!

A direção de Victor Garcia Peralta é suficiente. Ele soube trabalhar com qualidade, nada de gritos e encenações que precisam ser aparadas e aptoveitou bem o espaço do teatro poeira. Trouxe verdade, nada estava desacordado com o tema e com o que era dito pelo ator. Para quem dirigiu a obra “Os homens são de Marte… E é para lá que eu vou!”, pode-se interpretar que Peralta entende de monólogos. E principalmente, sabe dar importância ao artista no palco, compreendendo a relevância do artista e do público, e da ponte que se estabelece entre artistas e plateia. Ele atua muitíssimo bem nessa quebra da quarta parede.

Robson Torinni, o artista.
O que falar? Encontraram o ator certo! O personagem é um garoto de programa e sua vivência dentro de uma comunidade. Um homem xucro, bronco, com valores, que muitas vezes se perdem no caminho, até serem perdidos de vez. E tudo acontece gradualmente, com intensidade, em três atos, sempre iniciados pelos avisos que o próprio ator dá à plateia.

Primeiro ato, segundo ato, terceiro ato e a vontade é de devorar o espetáculo, que gera ansiedade, pela vontade de saber como a história vai acabar, ainda que muitas vezes, levem a momentos que incomodam.

Fato: o ator é belo. E claro que muito provavelmente, o artista e o diretor de movimento, Toni Rodrigues (o mesmo diretor de movimento do belíssimo espetáculo “Merlin e Arthur – Um sonho de liberdade”), aproveitaram disso para compor cenas mais picantes, que são muitíssimo bem-vindas. Amém! Que Damares (a senadora “puritana”) não escute, mas que é um excelente trabalho, é!

Infelizmente, o físico não é o suficiente e o personagem se perde no caminho, deixando de lado o ser humano que um dia foi, pelo menos no primeiro ato, sua devoção, seus sentimentos e seus valores vão se perdendo, até ele se tornar um personagem frio e cruel!

Ao sair da sala de teatro os críticos estavam perplexos com a entrega do artista e não poderia ser diferente. Torinni é pernambucano e trouxe um pouco desse tempero nordestino na criação do personagem, o que caiu bem, sua interpretação é soberana, e ele sabe bem disso, entende perfeitamente o que é mergulhar em um personagem, tomá-lo para si e fazer dele seu foco. Foi isso que fez!

Sérgio Saboya é quem assina a direção de produção. Saboya é outro monstro das Artes Cênicas, sempre presente na ficha técnica de excelentes espetáculos, sempre corajoso. Chega sem patrocínio, em um momento muito delicado para os artistas e para as produções. Um grupo de cavalheiros da Távola Redonda do Teatro, que juntos, atraem todos os que admiram as Artes Cênicas e mais uma vez, parece que a coragem deles foi recompensada pelo sucesso! Palmas e mais palmas!

FICHA TÉCNICA

Texto: Sergio Blanco
Atuação: Robson Torinni
Direção: Victor Garcia Peralta
Adaptação: Robson Torinni e Victor Garcia Peralta
Direção de Arte: Gilberto Gawronski
Iluminação: Bernardo Lorga
Sonoplastia: Marcello H.
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)
Direção de produção: Sérgio Saboya e Silvio Batistela
Produção Executiva: João Eizô Y. Saboya
Idealização: Robson Torinni e Victor Garcia Peralta

TRÁFICO
Temporada até 18/12
Teatro Poeirinha
Rua São João Batista, 104, Botafogo
Quinta a sábado, às 21h e domingos, às 19h.
Ingressos R$ 60 e R$ 30 (meia)
Lotação 50 lugares
Duração 80 minutos
Classificação 18 anos
Venda de ingressos pela plataforma Sympla.
Acesse:
https://bileto.sympla.com.br/event/77969/d/165271/s/1101610

Informações (21) 2537-8053