Sem passado, sem futuro

Quando fiz o Enem em 2018, o intuito era puramente incentivar meus filhos. Não pensava que conseguiria um resultado satisfatório após tantos anos distante do Ensino Médio, que por sinal, ainda era o científico. Mas, contrariando minha expectativa, passei e decidi cursar Museologia na Unirio. Ao olhar a ementa foi quase que imediata a certeza da minha opção.

Sempre me senti familiar às Ciências Humanas e encontrar um curso que mesclava história, arte e memória pareceu-me encantador. Meu apreço pela história sempre me empurrou para a leitura, para o conhecimento do passado, e muito do que eu vi acontecer no meu meio século de existência neste país, me soava como uma inexorável falta de memória de um povo.

Matrícula realizada veio a constatação: poucas pessoas sabem que o curso de Museologia existe e menos ainda o que um museólogo faz. Espantoso é que a Unirio abriga o mais antigo curso de Museologia da América do Sul. Criado em 1932, o curso que atualmente só é ministrado em universidades públicas (vale a pena frisar) confere o título de Bacharel em Museologia e mesmo tendo começado há 90 anos, é pouco conhecido pelo senso comum.

Se a carreira é assim, o que dizer sobre os locais de trabalho e funções do museólogo? Porém, este profissional pode atuar em variados segmentos e não somente nos museus. Institutos de pesquisa, centros de documentação e informação, escolas e universidades, jardins botânicos, zoológicos, aquários e planetários, parques e reservas naturais, sítios históricos e arqueológicos, teatros, produtoras, arquivos, coleções públicas e particulares, dentre outras.  E suas atividades são habitualmente a pesquisa, preservação, conservação, informação, documentação, educação, administração e desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a cultura e para o desenvolvimento sustentável.

Ao acompanhar os episódios ocorridos no fatídico e lamentável oito de janeiro deste ano, me ocorreu o quanto é importante a museologia. Assisti estupefata a destruição do patrimônio público, a depredação de itens raros, obras de arte, mobiliário, enfim, uma desvalorização da democracia e da história propriamente dita. O que pensam estes terroristas? Não se dão conta da importância da história, da memória, da Cultura? Um povo que não salvaguarda seu passado, não conseguirá alcançar o futuro. Não consegue mensurar nem o caos que pratica e nem o caos pelo qual clama.

“As mulatas”, de Di Cavalcanti (1897-196), era peça de destaque no Salão Nobre do Planalto, porque é a expressão latente da nossa arte, do nosso povo, da nossa gente. Tapeçaria que estava ali para que difundisse nossa Cultura para o mundo.  Um trabalho feito especialmente para o Palácio da Alvorada, dentre tantos outros que Di Cavalcanti fez, como pintor, ilustrador e cartunista renomado que era. Quem poderia imaginar que logo assim, após o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a obra de um artista, que dela participou, sofreria um ataque vil e covarde.

Assim como “O Flautista”, de Bruno Jorge. Feita em 1962 e batizada como “O Pastor tocando flauta” a escultura era de bronze patinado e ficou partida em três partes além de ter sido retirada do seu suporte também vandalizado. Bruno Giorgi era um escultor brasileiro, cuja família se mudou para a Itália quando ele ainda era criança. Já adulto retornou ao Brasil em 1935, exilado por questões políticas e por sua participação em movimentos antifascistas. Autor de obras como “Os candangos” e “Meteoro”, ambos instalados na atual capital federal. Uma ironia do destino, que um militante antifascista tivesse algumas de suas obras como testemunhas da depredação dos órgãos públicos, que abrigam os três poderes brasileiros, e para além disso, uma escultura sua fosse desmantelada.

O relatório do IPHAN é extenso e preciso, as fotos são assustadoras. Não consigo até agora entender como tentam justificar o injustificável. Mas, me resta a crença de que só a educação salva. Precisamos de uma vez por todas reconhecer que pouco sabemos da nossa história. É necessário nos despirmos do “preconceito” de que “museu é espaço de velharia” para alcançarmos a evolução da museologia em nosso país e no mundo.

Museus são locais de preservação da memória sim! Mas, não necessariamente da memória colonizadora. Não necessariamente daquilo que já passou. Numa sociedade digital como a nossa as tipologias de acervos vão se multiplicando. Os tipos de museus, não se restringem aos de artes, de história ou de ciências. Temos os museus comunitários/ecomuseus, museus militares, museus biográficos, museus temáticos dentre outros. Numa sociedade da informação, onde a tecnologia avança a passos largos, há uma premência em conseguirmos preservar a história, a cultura, o cotidiano das sociedades, inclusive virtualmente. Um povo que não conhece seu passado, não está apto a lutar pelo seu futuro