O Teatro é feito de história e gente

A Cia dos Atores chega aos 35 anos, e ter trabalhado ininterruptamente pelo Teatro durante todos esses anos é uma tarefa bastante difícil em um Brasil, que pouco vai ao Teatro, que não entendeu ainda a importância da arte, que consegue movimentar milhões para a economia de um país, como no caso do Louvre, um verdadeiro fenômeno de arrecadação.

O amadurecimento artístico é visível entre os artistas que defendem essa companhia, e a exemplo deles o país poderia amadurecer a ideia de que aqui se sabe fazer arte de qualidade, como em qualquer lugar do mundo!

A obra Julius Caesar – Vidas Paralelas, um trabalho inesquecível da Cia dos Atores, está no palco do Teatro Oi Futuro, no Flamengo.

“Publicada originalmente em 1599, a peça de natureza histórico-política escrita por Shakespeare recria a conspiração que levou ao assassinato do grande ditador romano Júlio César, bem como os seus desdobramentos. Passados mais de 400 anos, a contemporaneidade do texto é surpreendente, com personagens envolvidos em disputas de poder, intrigas, manipulações e traições.

Em “Julius Caesar – Vidas Paralelas”, a dramaturgia propõe uma reflexão pertinente sobre questões sociais e políticas, entrecruzando a trama original de Shakespeare e as relações encontradas nos bastidores do processo criativo de uma companhia teatral fictícia com mais de três décadas de trajetória.” (Sinopse)

O texto e a direção são assinados por Gustavo Gasparani, trata-se simplesmente de um artista do mais alto nível. Gustavo é um artista presente nos palcos e na plateia quando o tempo lhe permite. Um dia desses, estava comemorando mais um título em seu currículo, deixando claro, o quanto é incansável na busca do saber, da cientificidade, e porque seus trabalhos são reconhecidos, bons e prazerosos.

Julius Caesar – Vidas Paralelas apresenta um texto irrepreensível e inteligente. Como se não bastasse, a direção do próprio dramaturgo trouxe dinamismo ao espetáculo, ou seja, ao juntar tudo, nasce uma obra relevante, artesanal e digna de muito respeito.

Os artistas envolvidos são nomes respeitáveis, que não param, não desistem de seguir firmes pelo caminho espinhoso, que é fazer Teatro no Brasil.

Quanto orgulho os cariocas deveríamos ter desses profissionais, imensos e inteiramente entregues às Artes Cênicas, com devoção.

Na verdade, até Shakespeare deve estar ensandecido com o que eles fizeram! Ele deve estar comemorando na tumba a cada apresentação, pois Gasparani acolheu a história, é notável a pesquisa de alta relevância que fez, o que o dramaturgo inglês também fazia muito bem.

Nada é superficial, muito pelo contrário. Quem gosta de arte rasa busque outro entretenimento, porque para a sorte dos que gostam de profundidade, taí uma peça para fazer pensar, uma fonte de prazer.

Vidas Paralelas conta a história de Julius e paralelamente, dos confrontos de uma ficha técnica teatral, quando resolve montar o espetáculo do líder militar e político romano, com o texto do maior dramaturgo da Era Elizabethana.

É incrível quantos temas são apresentados e como Gustavo Gasparani tem o Teatro na veia, parece que nelas não corre sangue, só arte.

O texto fala sobre machismo, sobre vaidade, sobre as dificuldades que os artistas atravessam. Que beleza!

Os figurinos levam a raciocínios diversos, eles são despojados, pois os artistas estão em ensaios constantes no palco. A peça conta sobre o caminho percorrido que leva a realização de um espetáculo.
Independentemente, tendo ou não conflito entre os profissionais, os ensaios são desgastantes.
Marcelo Olinto, brinca com os tecidos e suas cores, o vestido da esposa do Caeser é esplendoroso! Menos sempre será mais! A armadura de Júlio Caesar trajado por um dos artistas e o capacete romano dão vida ao espetáculo, e trazem verdade. Que sacada de excelência! Sem contar que é possível ver características da companhia nessas indumentárias, por intermédio da criatividade.

Quando um orçamento não cabe, como acontece na maioria das vezes, a criatividade aflora e salva, no melhor estilo do Teatro Contemporâneo, onde há muita história da companhia para contar, na verdade que os artistas vestem.

Já o cenário de Beli Araújo é interessante, os tecidos parecem contar a história de Roma, como as colunas dos templos daquela época. Lindo, mas também despojado!

Cesar Augusto, Isio Ghelman, Gabriel Manita, Gilberto Gawronski, Suzana Nascimento e Tiago Herz estão fantásticos em seus papéis, assumidos com elegância, são prodigiosos.

Cesar Augusto representa a maturidade profissional em palco, Gilberto Grawronsi leva ao seu estilo sem arranhões de atuação, o artista é tão visceral em palco, que não se sabe até aonde a verdade está em sua boca, obviamente, ele já vivenciou o papel, que lhe foi entregue, de ser preterido um dia.

Isio Ghelman faz valer a pena ter saído de casa mesmo debaixo de chuva para assistir ao espetáculo, quando o personagem dá uma aula da Era Romana, explicando as nomenclaturas históricas, ele arrebata, pois todos sabem que o Teatro é educativo, isso é fato indiscutível, e ele aborda outras Culturas também e assim, deixa a plateia mais rica do saber, tão precioso a cada um. É um momento nirvânico, altamente apreciativo!

O jovem Gabriel Manita traz sua música e desempenho, sedutoramente, é merecedor de aplausos! A direção musical é assinada por ele também.

Os artistas recebem o público assim que entra no teatro, em ritmo de Rock, com uma música que fala de sonhos.

“Os atores e os espíritos são vapores que se esvaem no ar. Feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos.” – Shakespeare.

O multiartista Tiago Herz traz juventude ao palco, também atua por meio do seu saxofone.

Agora falemos da única e tão representativa mulher em cena! Suzana Nascimento está em um dos momentos mais bonitos de sua carreira, com a mala cheia de prêmios e reconhecimento pelo seu trabalho. Sua personagem é a diretora do espetáculo, também idealizadora do projeto, uma profissional, que como a atriz, está em um atravessamento importantíssimo na carreira. A diretora é atacada pelos colegas, o que ela julga ser um desrespeito, e grita pela falta de caráter deles, inconformada, por inclusive, não entenderem o momento dela. Artistas que tomam decisões sem ao menos a questionarem sobre elementos do espetáculo que ela idealizou. Ela sofre e acusa a todos de machismo, por ser a única mulher do grupo!

Gustavo, nesse momento de seu texto, foi impiedoso, obviamente, ele conhece inúmeras histórias como essa, e fez muito bem ao mencionar algumas delas no palco, porque elas existem, por mais cruel que possa ser, isso corriqueiramente ainda acontece, lamentavelmente.

Gasparani foi imenso ao expor a verdade nua e crua nos palcos, um verdadeiro ensinamento.

Entre a morte de Julius Caesar, a traição que sofreu, Suzana segue sua personagem, no intuito de montar o seu espetáculo. E ela consegue, porque é assim que funciona, quando os grandes são desafiados e são bons, o sobrenome é Êxito!

Dá vontade de falar sobre todos os desdobramentos dessa obra, mas não sou a favor de spoiler (revelação antecipada de informações sobre um conteúdo).

É merecido ressaltar que Claudia Marques está a frente da direção dessa produção e seus trabalhos já passaram por aqui algumas vezes, entre eles o “Macbeth”, em 2020, durante a pandemia, protagonizado por outro artista de ponta, Luis Lobianco!

Uma obra indecente, animal, contemporânea, realizada com primor e aqueles que não tiverem essa mesma percepção, vale buscar entender um pouco mais, pois o Teatro é exatamente isso, fogo, paixão, voz, artistas soltos em cena, texto bom, surpresas e estéticas visuais desenhadas com criatividade, além de tantos outros feitos. Essa ficha técnica vale ouro!

FICHA TÉCNICA

Dramaturgia e direção: Gustavo Gasparani
Direção de produção: Claudia Marques – Fábrica de Eventos
Elenco: Cesar Augusto, Isio Ghelman, Gabriel Manita, Gilberto Gawronski, Suzana Nascimento e Tiago Herz.
Cenografia: Beli Araújo
Figurinos: Marcelo Olinto
Iluminação: Ana Luzia De Simoni
Projeções e Vídeos: Batman Zavareze
Direção musical: Gabriel Manita
Assistente de direção: Menelick de Carvalho
Assessoria de Imprensa: Paula Catunda
Redes Sociais: Rafael Teixeira
Captação de conteúdo e clipes para redes sociais: Daniel Barboza
Design Gráfico: Felipe Braga
Fotografia: Nil Caniné

JULIUS CAESAR – VIDAS PARALELAS
Temporada até 12/2
Oi Futuro
Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo
Quintas e sextas, às 20h, sábado e domingos, às 19h
Capacidade 50 lugares
Classificação 12 anos
Duração 120 minutos
Ingressos R$ 60 e R$ 30 (meia)
Venda de ingressos pela plataforma Sympla