O Tablado e o voo por uma obra de arte

Tão fundamental quanto os demais direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o direito à Cultura deve ser garantido a toda população infanto-juvenil. Isso deveria ser respeitado para que os pequenos brasileiros crescessem mais cientes dos seus deveres e direitos, somente assim, um futuro melhor estaria garantido!

A eterna Maria Clara Machado está mais viva do que nunca neste espetáculo, que traz um teatro artesanal, colorido, cheio de vida e de graça, assim como era ela! Certamente, a escritora, atriz, dramaturga, estaria apaixonada por esta obra belíssima, executada por seus pupilos! O elenco todo é do Teatro O Tablado, esse mesmo, fundado por ela, em 1951. O Tablado é referência em cursos de improvisação e Teatro no Brasil, e templo do Teatro infantil. Templo, em seu significado: A palavra “Templo” em geral, é o termo que define um edifício ou local consagrado ao culto religioso. Lembrem-se o Teatro tem seus deuses e guardiões, e certamente O Tablado está sobre vigília deles, que não toscanejam, pois o Teatro pulsa, e pulsa com toda a força necessária, para manter-se de pé em um Brasil, que não valoriza a própria Cultura.

Falemos de “Anísio e a Devoradora de Livros”, peça infantil em cartaz no Sesc Tijuca.

Quem idealizou esse projeto certamente entende do público alvo a ser trabalhado e da necessidade de educar. Trazer a história de Anísio Teixeira foi de uma delicadeza imensa, e também merecido reconhecimento.

Quem foi Anísio Teixeira? Um professor e jurista, nascido em Caetité, no interior da Bahia, nascido em 1900, um dos maiores nomes da Educação no Brasil, defensor da universalização do ensino gratuito. Oriundo de uma família latifundiária, foi na Educação que encontrou sua paixão. No plano estadual, também criou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Escola Parque), que serviu de modelo para os cieps, criados por Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro. Na Era Vargas, Anísio foi perseguido pelo governo.

Parabéns aos envolvidos nesse projeto, tudo justifica a importância da sua idealização quando falamos em Educação e daqueles que acreditam sempre que ela seja o caminho para um futuro mais promissor e igualitário!

“O espetáculo promove a importância da leitura contando a história do menino Anísio, de 9 anos, que é um verdadeiro devorador de livros. Um dia, um misterioso desaparecimento de livros em sua cidade vai levar Anísio e sua trupe a viverem grandes aventuras para desvendar o mistério.” (sinopse)

Vale dizer que toda criança deveria assistir a essa obra tão sutil, delicada, divertida, prazerosa, que enche toda alma de amor e encantamento. A linguagem acessível, permite que os pequenos entendam bem a mensagem. Isso é importante, pois como educar crianças se não puderem interpretar a mensagem que recebem?

O texto de Leila Meirelles e João Sant’Anna é um dengo, ainda mais quando se junta às mãos arteiras de ouro dos profissionais descritos nesta primorosa ficha técnica! João e Leila são lindos, pessoas simples e donos de uma beleza teatral, que vai muito além do que se espera. Ao olhar para ambos, enxergamos o poder da escrita e da direção, impecável, sem arranhões. João Sant’Anna, professor de Teatro, nele Leia encontrou um apoio para a dramaturgia, que merece uma salva de palmas e mais palmas!

O elenco formado por Gabriela Ruppert, Madu Araújo, Nedira Campos, Rafael Saraiva e Vitor Hugo Guimarães é uma graça.

Rafael Saraiva interpreta Anísio com tanta doçura, fica impossível não se apaixonar pelo artista, ou por sua criação artística. Seu figurino, assinado por Elisa Faulhaber, carrega beleza e verdade e não deixa a plateia ficar perdida no tempo e lugar. Um estudante, um menino, com golas, que compõe uma camisa de botão tão juvenil. Tudo tão sutil, que todos os espectadores são arrebatados ao olharem para o menino Anísio. Ah! Que coisa mais linda! Rafael carrega o dom artístico nas veias, um artista nato e de grandeza ímpar. Invade nossas almas com uma inocência pouco vista nos palcos.

Gabriela Ruppert vem em trazendo uma arara, desenhada por Alexandre Guimarães, que merece uma coroa de louros. O Teatro de animação com essa arara é lindo de se ver. Que boneco mais lindo, cheio de simpatia e mágica. Perfeito! Gabriela, no que lhe concerne, não peca, ela entende o estilo teatral proposto, seus olhos estavam na arara e somente nela, sua voz foi um bálsamo à plateia e ao pássaro. Ela fundiu-se ao objeto/personagem e juntas voaram, voaram alto e levaram o público aos céus! Que atriz, meu Deus, que atriz! Notável a perfeição com que manipula o boneco de animação.

Tudo claramente possível, pois no sangue de Gabriela corre o sangue de Miriam Galarda, professora e fundadora da Companhia de Teatro de Bonecos Dadá. Com o passar do tempo a sede passou a ser a creche Pequeno Príncipe, escola erguida diante dos princípios de filosofia artísticas de ensino, do educador Anísio Teixeira. Em 1964, o Dops, por meio dos militares, fechou a escola de maneira brutal, levando Miriam para um sítio em Jacarépagua com o casal Adair Therezinha e Euclides Coelho, também fundadores da Companhia de Bonecos Dadá, para posteriormente se exilarem no Chile, já que tinham seus nomes na lista de procurados do Dops. A vovó Mirian, deixou seu legado à Gabriela, que trouxe a arara Aracy com majestade e beleza ímpar! Tanto sua vó quanto Maria Clara Machado devem estar rindo, e dizendo: Somos enfreáveis e nada, absolutamente nada, cala os artistas!

“Independentemente das dificuldades, tenho a certeza, assim como minha vó Mirian, que defenderei o melhor para o meu país, munida com uma das armas mais poderosas que existem, o Teatro!”, afirmou confiante Gabriela Ruppet.

Madu Araújo assume a professora que percebe os livros sumidos, o seu figurino está perfeito e glamouroso. Um broche em formato de camafeu salienta a gola, e dá a bela senhorita um ar de professora. A atriz jovem e delicada, tem olhos brilhantes e assume um papel importante. Quando a atriz desce do palco e na plateia procura livros, nota-se a sua beleza cênica, comedida e cheia de candura.

A atriz Nedira Campos é a traça comedora de livros, e por mais que essa seja a antagonista, impossível não ver nela magia teatral. Ela vem como a Silver Fish, a lenda da traça, que come livros, mas que não é tão mal assim! Muito ao contrário, ela é muito divertida! O lúdico é tão necessário nos dias atuais, por alguns minutos pode-se mergulhar em um universo onde até o monstro é bom! É perfeitamente possível esquecer o mundo cruel com a traça má! E até desejar levá-la para casa, o que não seria uma má ideia!

Victor Hugo Guimarães empresta suas caras e bocas para o Teatro, e para esse espetáculo, assim como sua expressão corporal. Uma graça! O artista entende de Teatro, luz e tudo mais que é necessário. Um ator completo!

O cenário é constituído por uma Pitangueira que fala, por intermédio da voz da atriz Fernanda Montenegro. Ah! Fernanda, ouvir Fernanda é suficiente, ela que anda atualmente pelos Teatros assistindo aos artistas, como se dissesse a todos: Vá ao teatro, vai lá aprender, vai aprender a resistir aos maus dias… Majestosa, ela sempre será dona do palco, mesmo quando somente empresta sua voz, e por meio dela dá vida a uma personagem. Fernanda é um alento aos artistas e ao público, a atriz que, insistentemente, abusou da paciência de Nelson Rodrigues por uma dramaturgia, esse que mudou a história do Teatro brasileiro, e ela estava lá. E está em Anísio também, fazendo o espetáculo ganhar ainda mais força, porque Fernanda é Fernanda, e isso para todos basta!

A cenógrafa Júlia sabe, entende o que é artesanal e fez uma rebuscada básica e muito necessária.

Cacá Mourthé assume a supervisão artística, ela sempre tange o sucesso, e dessa vez, não foi diferente, parabéns Cacá!

Nas considerações finais, pode-se dizer que a peça é feita para o público infantil, mas que hipnotiza adultos também, todos da plateia podem se ver imersos, mergulhamos no rio azul em busca da antagonista com Anísio e o movimentos são feitos pelas mãos do público! Todos pairam no ar com a arara, a mais bonita já vista no Teatro, e todos alçam voo com ela. É possível se perder com o porquinho-do-mato, que vai de um lado para outro no palco, enlouquecendo as crianças da plateia.

Vale a pena ouvir a sabedoria da velha Pitangueira e saborear um texto, que mostra como a educação pode ser a melhor arma em qualquer combate, e aconselha a todos cobrirem-se de livros e de sabedoria. Há beleza em tudo, há beleza nessa obra do início ao fim. É possível afirmar, sem modéstia, que sabemos fazer um teatro de excelência!

Ao Sesc Pulsar, mais uma vez, obrigada!

FICHA TÉCNICA

Texto: Leila Meirelles e João Sant’Anna
Direção: João Sant’Anna
Elenco: Gabriela Ruppert, Madu Araújo, Nedira Campos, Rafael Saraiva e Vitor Hugo Guimarães
Luz: Felipe Lourenço
Cenografia: Julia Marina
Bonecos: Alexandre Guimarães
Supervisāo de Cenografia: Lídia Kosovski
Figurino: Elisa Faulhaber
Músicas: George Sauma
Diretor Musical: Pedro Nêgo
Direção de Movimento: Kallanda Caetana
Assistência de Direção: Hernane Cardoso
Preparação Vocal: Tati Alvim
Redes Sociais: Elisa Nunes
Assessoria de Imprensa: Mario Camelo
Supervisão Artística: Cacá Mourthé
Produção: Maria Inês Vale e Luana Manuel
Realização: Araúna Produções

ANÍSIO E A DEVORADORA DE LIVROS 

 SESC Tijuca – Teatro I

Rua Barão de Mesquita, 539, Tijuca

Temporada até 9/10 de outubro

Sábados, às 16h e domingos, às 11h e às 16h

Duração 60 minutos

Classificação livre

Informações (21) 4020-2101

Ingressos Grátis (PCG), R$ 2 (Credencial Plena), R$ 10 e R$ 5 (meia)

Devido ao primeiro turno das eleições, as sessões do dia 2/10 serão remanejadas para o dia 1/10, às 11h, e dia 8/10, às 11h.