Ficção ou laços afetivos reatados? 

A metáfora de um coelho tão bem traçada é a forma que o dramaturgo Leonardo Moreira enfeitiça o público com essa obra-prima. A Cia. Hiato simplesmente ratifica a preferência de quem gosta dos monólogos, deixando-os sob encantamento, após assistirem ao solo ficcional.

O texto conta uma bela história, daquelas que, inevitavelmente, coincidem com as da maioria das pessoas, e assim a emoção toma conta.

Relações humanas são tão complexas, mas que podem carregar muita beleza, o que as pessoas têm de melhor, o que as leva ao melhor de todos os atos humanos… o afeto.

Quanta beleza pode ser extraída deste espetáculo, incrivelmente belo e tocante.

O figurino está fantástico, simples e divertido, carrega a essência do texto. Mas vale ressaltar e deixar claro, que poderia ser dispensável diante da encarnação cênica do solista. Tudo bem harmonizado, cerzido com primor!

E mesmo nesse experimento atual dos atores teatrais, em plataformas digitais, o uso da sonoplastia é inteligentemente agregada à peça. Não é necessário entrar no mérito da discussão se é, ou não teatro, isso em tempos pandêmicos não faz a menor diferença, ainda mais para a classe artística, que não deixou de reverberar arte e esperança, em dias sombrios.

O ator não titubeia seu texto e traz sentimento profundo em suas falas, por ele potencializadas.

O ator merece entrar no hall dos grandes atores do teatro.

A plateia comumente levada às lágrimas, difícil segurá-las frente à interpretação de Thiago Amaral, que inegavelmente parece conduzido pelos deuses do teatro.

Realidade e ficção são do que trata esta obra suntuosa. Após breve leitura sobre “Ficção”, é provável descobrir que a obra parte de seis experimentos desenvolvidos pelos atores da Cia.

Depoimentos pessoais de cada um deles dão vida a dramaturgias cênicas, ocupando o mesmo espaço em períodos diferentes. Esse é o retrato do teatro brasileiro, sem freios, sem limitações, e bastante criativo.

Vale lembrar que a cia Hiato alçou seu primeiro voo em 2007, e de lá pra cá não parou mais. Laureada com diversas indicações e importantes prêmios do teatro, a companhia, formada por um grupo de novos artistas, segue firme em seu propósito de dar continuidade ao mergulho inicial, sem receios ao novo e ao inesperado, emprestando seus questionamentos à dramaturgia (palavras dos próprios atores).

No solo, o ator Thiago Amaral propõe a criação de uma ficção como pretexto para reatar laços com seu pai, após anos sem qualquer contato. Ao executar o projeto criativo paterno – “A Extinção dos Coelhos Selvagens” – Amaral expõe as motivações de uma criação artística e compartilha com a plateia um momento de extrema relevância pessoal mediado pela ficção.

Cia Hiato, merece aplausos de pé por esse celeste espetáculo, que deixa o público embasbacado com sua execução quase visceral.

Vale lembrar que no último domingo o Sesc voltou com os espetáculos on-line, é o SESC conscientizando seu público para que, se possível for, fique em casa!

FICHA TÉCNICA

Atuação: Thiago Amaral

Colaboração: Dilson do Amaral

Direção e Dramaturgia: Leonardo Moreira

FICÇÃO

Espetáculo SESC Ipiranga

Gratuito pela plataforma Youtube

Canal do Sesc ao vivo

Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=IF2SqM24jtM

Classificação: 16 anos

Foto Ligia Jardim