O Teatro do Ridículo não tinha apoio da crítica quando nasceu na década de 60. Os espetáculos eram vistos como sinônimos de mau gosto e falta de moralidade. Sem o erudito e utilizando do travestismo para se comunicar, obviamente não foram bem acolhidos na época.
Ronald Tavel foi o precursor desse novo movimento teatral. Ronald era roteirista e tinha em seu portfólio um grande número de filmes undergrounds. Ronald misturou-se ao surrealismo, que se parecia ao abusado cabaré, abraçado ao mau gosto e uma ironia, que se destacavam em seus trabalhos. Uma desambiguação singular, mas que até hoje reverbera. O elenco do estilo geralmente é formado por Drag Queens (inclusive no teatro Renascentista atuavam na ausência de mulheres nos palcos), artistas de cinema e artistas de rua. Segue aí outro ponto fortíssimo no Teatro do Ridículo: os comentários sociais.
O teatro mais uma vez sendo teatro, atravessa a história. “Darkroom” convida o público a conhecer um pouco mais de Charles Ludlam, o mesmo dramaturgo do espetáculo mais assistido do Brasil, “O Mistério de Irma Vap”, que emplacou sucesso durante onze anos em cartaz, com com os artistas Ney Latorraca e Marco Nanini. Posteriormente, com os atores Luís Miranda e Mateus Solano, dois outros notáveis artistas, sob a direção do Jorge Farjalla. Aliás, a estética do Farjalla é algo a ser lembrado quando se fala sobre Irma Vap, ele foi irrepreensível. Também não se pode deixar de fazer menção a talentosa figurinista Karen Brustollin, que diante de rolos de tecidos, criou figurinos inesquecíveis.
Mergulhar em Charles é incrível, Ludlam trouxe para suas obras Lorca, o filho do luveiro inglês mais bem-sucedido do mundo, entre outros. Mas sempre de maneira divertida, nada clássica como de costume, com a seriedade do tema e caráter burlesco inesperado! Uma vez um grande crítico escreveu: “Isso não é uma farsa. Isso não é absurdo. Isso é absolutamente ridículo!”. Tanto foi, que Ludlam fundou a Ridiculous Theatrical Company em 1967 e ainda estamos aqui trazendo-o ao novo século, perpetuando seus feitos.
Se voltar a historiar, será lembrado o grandioso Abujamra e seu grupo “Os Fodidos Privilegiados”, sem dinheiro e também sem reconhecimento crítico, seguiram seu caminho construindo história. “Asdrúbal trouxe o trombone” foi considerado o teatro do besteirol por desconstruir os clássicos. Hoje, a turma do Asdrúbal são os veteranos consagrados, conhecidos e reconhecidos por todo país. Agora sim, feita merecida introdução, é devido apresentar o espetáculo da Cia Profana: o aceitável, ou não, “Darkroom”!
Descrever “Darkroom” não é uma das tarefas mais fáceis. Primeiro é preciso tentar entender um pouco do gênero teatral dessa obra, que se faz excêntrica. Para que haja embasamento sólido ao escrever sobre o que nasceu, sem a intensão de ser esteticamente harmonioso, precisa-se buscar um pouco do estilo empregado. Não é um estilo encontrado com frequência nas salas teatrais, exatamente por isso já se pode contar com a ousadia dos artistas cênicos.
Não se trata de um clássico, também está longe da densidade shakespeariana e das teorias teatrais brechtianas, indubitavelmente é um espetáculo que divide opiniões. Divide, ou dividirá opiniões em várias esferas.
A Cia Profana é um coletivo de jovens artistas, que durante a pandemia trouxe Machado de Assis, entre outras leituras performáticas e agora convida ao mergulho no Teatro do Ridículo. Sem fomento! Jovens corajosos, representantes de todos os gêneros, dividem cenas e são os novos grandes representantes do Teatro do Ridículo. Não se faz o novo sem conhecer o velho e fica perceptível o nível da dramaturgia ao trazer o circo dos horrores do doutor Moreau e suas experiências.
A dramaturgia apresenta Galícolas e sua tentativa de criar um terceiro sexo. Seria esse o Trinário? As vítimas do Galícolas são os hóspedes, intencionalmente convidados. Besteirol? Sim! É possível ver exatamente o gênero teatral da década de 60 em um teatro virtual em 2021. A execução é ao vivo, por meio da plataforma Zoom e percebe-se que houve ensaio, houve intenções de acertar, pois as cenas acontecem em harmonia entre os atores, que não estão no mesmo espaço físico devido ao Covid. Um espetáculo longo, com quase uma hora e meia, ou mais de duração. Uma caracterização irretocável, sem arranhões. O que chama a atenção são os artistas LGBTs atuando sem apelação, representando com primor sua comunidade, carregados de perceptível alegria, presenteiam a obra.
A atriz que atua como Citrão (um personagem sem sexo definido) confunde o espectador durante suas aparições. Pode se imaginar o teatro Grand Guignol durante o espetáculo… se explicar em que cena, daria spoiler! Criatividade de excelência, principalmente em um momento onde não houve incentivos financeiros para o teatro acontecer com mais recursos. Inimaginável a inserção de elementos do programa televisivo mexicano “Chaves” na obra. O imprevisível bem-vindo. Seria o último elemento que se poderia esperar abrir o espetáculo, mas que contribui com diversão e simpatia.
Darkroom não é lá um lugar bem-visto pela sociedade. No entanto, existe. Às vezes, localizado em uma boate, ou Sex clube, onde a atividade sexual pode ocorrer. Quando localizado em bares, ou livrarias para adultos, os quartos escuros também são conhecidos como salas de fundos, salas negras, ou salas de jogos.
A ideia de trazer o Darkroom faz uma ponte ao estranhamento, mas também um lugar onde é necessário ter certa parcimônia e cuidado. Afinal, para entrar em um desses quartos é preciso estar protegido. Bravo!
Existem alguns pontos negativos a serem pontuados sim, mas merecem ser pontuados com tintas suaves, aquareladas em tons pastéis, válido fazer uma vibrante apologia ao estilo teatral não tão usual. Tem espaço e gosto para todos, há inúmeros motivos para assistir ao espetáculo, o resto fica por conta do tosco, que o próprio gênero oferece e não pode ser julgado por trazer essa essência do Teatro de Charles Ludlam, do Teatro da Cia Profana e do Teatro do Ridículo.
FICHA TÉCNICA
Texto final (cedido gratuitamente para a Cia.): Pedro Fagundez
Supervisão de texto: Guilherme Brasil
Direção geral: Jonatan Cabret
Criação do roteiro criado pelo elenco do espetáculo
Elenco: Every, Guilherme Brasil, Hiago Christe, Jorge Luiz Alves, Lara Lestrange, Luis Eduardo, Mac, Mariana Camargo e Moyá
Músicas escritas por: Guilherme Brasil
Jingles: Jorge Luiz Alves e Guilherme Brasil
DARKROOM
Temporada até 28/2
Sextas, às 22h30, sábados e domingos, às 21h
Assista pelo ZOOM
Ingressos: de R$ 20 a R$ 30
Compre pelo site Simpla