Candeia, o teatro que ilumina a alma

Candeia abre a programação do Sesc Tijuca. E chega cheio de graça, delicadeza, beleza e tudo mais que precisamos após uma pandemia tão cruel, que assolou milhares de famílias. A sutileza se apresenta por meio de quatro senhoras, com indumentárias que encantam os olhos dos espectadores, com detalhes riquíssimos de bordados, rendas e algodão, que prestigiam as atrizes em seus papéis. Tudo bem romantizado, um mergulho ao interior do Nordeste, com suas crendices populares, que até hoje reverberam entre os brasileiros, independentemente da região. Incrível a força da cultura nordestina! 

Tudo nos remete ao encantamento, pois é sabido o quanto a sociedade ainda está machucada depois desse atravessamento tão dolorido na vida de todos. A Dramaturgia nasceu de Cléo Araújo, em seu desejo de ter conhecido suas avós. E após uma construção vertical entre as atrizes o texto foi ganhando mais força, a potência necessária para ser contemplado em um dos editais mais concorridos do Brasil.

Trata-se de um texto construído por mãos apaixonadas e isso fica perceptível ao assistir a Candeias. Cléo está a frente e sangrou em sua vontade, como ensina o ardente dramaturgo nordestino Newton Moreno, que não se limita em extravasar sua essência nordestina em trabalhos suntuosos. O próprio transforma em vida tudo que carrega em sua memória afetiva. Esse é um dos segredos de uma boa dramaturgia.

A linda direção de Titina Medeiros é sempre bem-vinda para os que entendem de teatro. No Rio Grande do Norte, Titina é um baluarte, defende o Teatro e a Cia Casa de Zoe, que oferece aos nordestinos obras riquíssimas. Quem conhece a companhia sabe disso. As meninas de Candeias foram assertivas ao escolher Titina para enriquecer o espetáculo. A construção de Titina é bem nítida, a atriz é uma fonte de representatividade da cultura nordestina. Beber dessa fonte é sempre uma experiência prazerosa.

A direção de arte de João Marcelino também não é diferente, ele parece ter nas veias santos e bacias de alumínio que o Nordeste inteiro conhece. O trabalho de arte apresenta cores vivas, terços, santos, precatas e tudo mais, que esse povo carrega em sua memória e está entranhado em sua cultura. Bordados e mais bordados. Ah, o Nordeste…!

“Em cena, quatro velhas senhoras recebem o público para um chá aromático e muita conversa em seu quintal. São benzedeiras, irmãs e amigas, que adoram uma prosa, uma troca de receitas e histórias. De longe, é possível sentir o cheiro das ervas frescas, do incenso, do café coado, do bolo de vó e do escalda pés, que convidam os presentes a conectarem com suas memórias mais singelas, num mergulho interno. Uma experiência teatral única e acolhedora.” (Sinopse)

No texto, personagens que ficarão na memória dos espectadores, isso é fato. Por exemplo, como ouvir falar chá de cidreira sem lembrar da Formosa? Personagem que planta e colhe a erva, depois aquece a água, faz o chá e marca todas as canecas com seu batom vermelho, que constrói uma personagem singularmente caricata.

Uma das atrizes apresenta uma personagem que se embolou em um circo durante sua caminhada, em 1964. E como todo artista diante de tiranos autoritários, sofreu na carne, sentiu-se invadida. A jovem Aurora Maria do Nascimento Furtado entregue ao DOI/CODI e a integrantes do esquadrão da morte em 1972, aos 26 anos, sofreu as mais brutais sevícias, morrendo por consequência logo depois, com o corpo todo marcado pelas torturas e cravado de balas. A atriz Ananda K. soube conduzir a cena com legitimidade e politizou no momento propício, pois hoje, o povo brasileiro, ou pelo menos mais de 46% dele, já entendeu que não se pode enaltecer, muito menos eleger admiradores de torturadores.

Não se pode deixar de mencionar o trabalho de corpo, todas curvadas e com os dedos contorcidos, interpretam mulheres mais velhas, cansadas e sofridas. Excelente trabalho de expressão corporal!

Já as duas outras senhorinhas, interpretadas por Manu Azevedo e Nara Kelly, são sinônimo de amor ao próximo e empatia.  A benzedeira (Nara Kelly), ao aparecer na plateia descaracterizada, mostra a construção ávida de sua personagem, pois se trata de uma jovem atriz e um trabalho fantástico! 

No quarteto formado por excelentes atrizes, destaque para uma jovem senhora atriz: Múcia Teixeira carrega além de sua experiência, uma alma jovem e sagaz, capaz de doar muita vida aos palcos e teatros do Brasil!

Quer bolo? Escaldar os pés? Mergulhar a alma? Assista à peça Candeia, certamente como a própria palavra diz, todo espírito iluminará, sob a luz da história e da memória de artistas perseguidos e tidos como pestes!

Um salve à produtora local Ártemis, que volta aos trabalhos em plena combustão! 

 

FICHA TÉCNICA

Direção: Titina Medeiros

Dramaturgia: Cléo Araújo

Direção de arte: João Marcelino

Preparação Corporal: Giovanna Araújo

Composições musicais e preparação vocal: Ananda K

Elenco: Ananda K, Manu Azevedo, Múcia Teixeira e Nara Kelly

Coordenação de produção: Talita Yohana

Produtora local: Ártemis

Assessoria de imprensa: Catharina Rocha

Identidade visual e vídeos: Rita Machado

Registros fotográficos para divulgação: Brunno Martins

Técnico e assistência de produção: Janielson Silva

 

CANDEIA

Temporada até 1/5

Sesc Tijuca

Pátio das Acácias, na Rua Barão de Mesquita, 539, Tijuca

Quinta a sábado, às 19h, e domingo, às 18h

Não haverá espetáculo entre 18 e 27 de abril

Em caso de chuva, o espetáculo será no Teatro 2

Ingressos Grátis (associados PCG), R$ 7,50 (credencial plena), R$ 15 (meia) e R$ 30 (inteira)

Funcionamento da bilheteria de terça a domingo, das 9h às 19h

Classificação Livre

Foto divulgação