Brasil, nem um dia de descanso

O Brasil é um país sem descanso. Estive refletindo o quanto somos bombardeados diariamente com notícias duras, e poucos motivos para nos orgulharmos do país em que vivemos, ou de termos esperança de um futuro melhor. Ao decidir sobre o tema deste texto não conseguia selecionar um, entre tantas possibilidades. Foi assim que pensei afinal, como escolher um?  Queria vir aqui escrever sobre boas notícias como o início do calendário de vacinação, projetos de recuperação das florestas, o tédio dos nossos idosos felizes em casas de repouso, mas não encontrei nenhum desses temas no repertório do Brasil.

Todo dia tem café forte na mesa, sol queimando na janela e notícia ruim na televisão.

Duas meninas mortas a tiros na comunidade, mais de 15 crianças mortas em operações policias, cavalo sendo jogado da ponte por manifestação cultural, trabalhador espancado no Carrefour até a morte, policial morto com tiro na cabeça repercutindo grupos de WhatsApp e em rede nacional, o estado inteiro do Amapá sem luz por mais de 15 dias, liberação de imposto sobre armas, decretos para liberar a compra de armas, tentativa de culpabilização nacional sob vítima de estupro, tentativa de revogação das políticas de saúde mental, grandes queimadas na Amazônia e no Pantanal, desregulamentação de leis ambientais, monumental alta do dólar, mais de 230 mil mortos de covid-19, unidades hospitalares voltando a lotar, mais de 1000 dias sem Marielle e Anderson, ausência de um plano nacional de vacinação eficaz, agulha, seringa e gaze, interrupção da vacinação no Rio de Janeiro e em outros estados por falta de doses.

Ângela Merkel fez um pronunciamento sobre o dia na Alemanha em que morreram 600 pessoas. Segundo jornalistas, ela disse em bom sotaque alemão, “isso é inaceitável”- das ist inakzeptabel. Enquanto isso, no Brasil, se inaugurava uma exposição de trajes da posse presidencial e morriam mais de 700 pessoas com direito a “videozinho” presidencial rindo da morte.  Naturalizamos o absurdo! Naturalizamos as mortes diárias de milhares de pessoas, não só por COVID-19, mas pela violência, pela ausência de Políticas Públicas, pela fome. Somos corpos matáveis.

O culto ao personalismo corporifica o atraso brasileiro. O que vemos é uma classe dominada, cega, que sustenta a política dominante e que em nada se beneficia dela. Muito pelo contrário, apoia um governo que sequer tem um projeto nacional estruturado, nem que seja de destruição e privatização, mas se pauta em um discurso ideológico, moralista, brega, fake, repetido “à la axé chiclete”.

Como diria o même, o Brasil não é para amadores- Não é mesmo. Em homenagem ao dia Internacional dos Direitos Humanos, cobramos justiça, respeito, memória. Cobramos um projeto nacional, um plano de desenvolvimento econômico e social autônomo, que seja democrático, que envolva discussões nos núcleos sociais, onde a vida cotidiana acontece, que seja para e pelas pessoas brasileiras exaustas.

Estamos cansados do céu limpo de Brasília e de seus palácios brancos, largos e monumentais contradizendo a realidade caótica, doentia, apertada e suja a qual está lançada a população. Cobramos vida! Saúde pública de qualidade, Educação para o desenvolvimento de crianças e jovens, equidade de gênero e raça, distribuição de energia limpa e renovável, proteção e recuperação da biodiversidade, trabalho, arenas culturais, uma mídia menos sensacionalista, participação popular decisória e não apenas representativa. Cobramos descanso da loucura nacional exaustiva de ter que cobrar. Cobramos um futuro possível e bom de se viver, pois no ritmo em que o presente está, se seguirmos seu fluxo, seremos conduzidos a uma breve destruição.