Desde que me entendo por gente, minha mãe costura. O barulho da máquina de costurar serviu e serve de relógio que marca os dias da minha existência em uma linha do tempo. Ela usa a máquina de forma caseira, um hobby de vestir e descansar.
Já recebeu convites para costurar para fora, vender, cobrar para fazer reparos em peças dos outros. Nunca aceitou. Até já ajudou conhecidos, pessoas de fora da família, um ajuste aqui, um acerto lá, porém, sem a pressa da obrigação, o desespero dos prazos, a pressão das notas. Sempre no amor, como quem tricota corações e bichinhos em panos de prato.
Ela, que já costurou e ajustou roupas minhas e do meu irmão, hoje em dia embala meu sobrinho nos trajes do afeto. Enquanto isso, passa horas e horas a fazer barulho e conseguir merecida paz. Paz para ela e para quem para e olha, amarrando as vistas na linda estampa realista. Aos vivos. Sou espectador fanático. De olhos, ouvidos e alma. De tudo.
Recentemente, pedi para ela dar um trato em uma camisa que comprei pela Internet. Ficou grande nos braços. Ela concertou. Está perfeita, confortável, bonita e eterna, como a banda que a estampa: o The Who.
Falando em música, a máquina de costura tem um som de uma indústria orquestrada. Contudo, o ritmo é controlado no pezinho, devagar, devagar, devagarinho. Quem precisa de pressa? É preciso costurar o tempo com calma para não se cortar com a amolada agulha dos instantes.
Não ouço mais a máquina todos os dias. Não, as máquinas não pararam. Eu é que fui morar em outras cobertas. A história continua sendo contada, costurada na franja dos dias, nos flancos das noites, passado e presente seguindo, batendo, de leve, a agulha no pano, no peito.
As roupinhas do meu sobrinho, minha camisa, o conforto e o tempo. Tudo pode, e deve, ser costurado com calma e amor. Igual minha mãe faz. Ninguém precisa apressar o tempo. Ele conhece o caminho, as linhas.