Joãosinho Trinta é um ícone do Carnaval, a beleza de sua obra engrandece o universo do Samba, também a cidade do Rio e todo o país do Carnaval, que sempre irá se orgulhar de mencionar o nome de um dos maiores carnavalescos da história e sua trajetória. A verdade é que seria possível fazer uma crítica inteirinha falando somente desse personagem, mas outras coisas também merecem ser mencionadas.
“Em cena, Wanderley Gomes e Cridemar Aquino dão vida a Joãosinho e Laíla. Ana Paula Black e Milton Filho
desdobram-se em diversos papéis, auxiliados pelo músico Fábio D’Lélis e outros três músicos. O elenco ajuda não apenas a contar a história de um desfile e seus principais personagens, mas também leva ao público um pouco da dinâmica dos bastidores do Carnaval, a rotina dos barracões, os sambas de enredo e as figuras que compõem este universo.” (Sinopse)
A montagem é constituída por um elenco negro, que sabe falar do carnaval como ninguém, parece compreender a beleza que há na simplicidade, porque o espetáculo parece seguir esse mesmo padrão.
Existem artistas novos no elenco, o que é bem interessante, é necessário abrir espaços e dar oportunidades para que o rio siga o seu fluxo, para que o Teatro continue e se perpetue.
Uma obra ritmada, alegre, que faz dançar, difícil alguém ficar parado nas cadeiras, todos ficam bem animados, uma plateia em festa. É bom ver a plateia miscigenada, como também merece ser, a questão do pertencimento é de suma importância, já está mais que na hora do Brasil entender que o Teatro deve ser democrático e acessível a todos. A arte é plural e não só para brancos! E dessa forma, o Teatro negro, merecidamente, vem conquistando espaço e público!
Falar de Joãosinho Trinta é justíssimo, um artista completo, que trouxe luxo, beleza para a apoteose do samba, mesmo quando usou lixo na alegoria. O carnavalesco venceu treze campeonatos, não se trata de qualquer artista.
“Durante 30 anos, fez parte do Corpo de Baile do Teatro Municipal”, passou fome, catou comida no lixo quando saiu do Maranhão, apenas quem conhece um pouco melhor da história do Carnaval do Rio de Janeiro entenderá a homenagem feita ao João Clemente!
Sua grandeza imaginária, sempre foi sua marca. Em uma época onde a homossexualidade tinha ainda menos liberdade da já conquistada nos dias atuais, ele foi imenso, não se escondeu e abriu portas.
“O povo gosta de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual”. A frase célebre de João Clemente é visceral, pois é o intelectual que vive da miséria e aposta nela!
Quem encarna o carnavalesco é o ator Wanderley Gomes, o “multiuso teatral”. O versátil artista é um figurinista de mão-cheia, já foi mencionado algumas vezes nessa coluna, mas como ator foi uma surpresa. O Joãosinho de Wanderley chega com a sua estatura, daí a verdade do personagem começa a se fazer notar. Isso foi uma sacada perfeita.
Laíla foi vítima do Covid-19, lamentavelmente. “Luiz Fernando Ribeiro do Carmo foi um dos grandes mestres do carnaval carioca. Ele passou pelo Salgueiro, pela Beija-Flor, Unidos da Tijuca e União da Ilha”.
Um homem do morro do Salgueiro entendia de carnaval e defendia essa parte da sociedade, conhecia o carnaval na essência. Afinal, Ismael Silva, Bicho Novo e Carlos Cachaça são os três brasileiros, afro-descendentes, são personagens relevantes na história das escolas de samba.
A Deixa Falar”, primeira escola de samba, não é oriunda do morro, nem das comunidades, era do Estácio. Entretanto, os morros e as comunidades parecem terem dado um viés maior ao Carnaval, ao surgirem as escolas de samba, pois mesmo a sede da Escola “Deixa falar” não sendo da comunidade, seus fazedores de arte eram do morro. Dona Rosa, uma das primeiras costureiras da escola, morava na comunidade.
Mergulhar na história do Carnaval Carioca é uma rica experiência, extremamente valorosa. A Mangueira foi fundada em 1928, daí pode-se ter ideia da importância dessas agremiações, e como todas têm histórias para contar.
Cridemar Aquino encarna Laíla, um artista robusto, forte, chama a atenção por suas expressões corporais e prende a atenção pela voz, que se impõe no palco.
Anna Paula Black está no elenco, faz algumas personagens, mas em uma delas chama mais a atenção, encarna Tia Eulália, uma das damas do carnaval. Seu corpo vem com todo aquele peso da idade, que carrega anos de tradição e história, desempenho belíssimo!
A iluminação e os figurinos ajudam a compor o espetáculo, mas não chamam tanta atenção, exatamente por serem fidedignos ao barracão, aonde não há beleza e sim muito trabalho, onde pessoas humildes, saídas das comunidades, vencem todos os obstáculos e realizam a mágica, de transformar ideias e sonhos em realidade, dando vida ao maior espetáculo do mundo!
Então, não há luxo no espetáculo, que mostra os bastidores desse universo, mas há um momento onde as memórias afetivas afloram e todos são convidados a reviver um dos melhores momentos do Carnaval, com direito a batuque e coração descompassado!
E não se pode deixar de falar sobre o ator Milton Filho, o mesmo que acabou de fazer “As Cangaceiras”, onde esteve imenso, mas em Joãosinho Trinta e Laíla é possível ver ainda mais do ator. Ele apresenta três personagens incríveis com grandeza. Voz, corpo e expressões faciais dispensam qualquer crítica que não seja positiva ao artista cênico. Pode-se dizer que Milton é um artista grandioso, que facilmente arranca risos da plateia e merecidos holofotes voltados a si mesmo. Vale a pena ir ao Teatro toda vez que o nome do artista estiver mencionado na ficha técnica da montagem.
Ele alimenta o radialista Adecio também, que em uma das cenas brinca com um chocalho, entre suas falas. Imenso!
E nesse momento, ele também politiza, lembra o assassinato de Chico Mendes, um dos maiores defensores da Floresta Amazônica (1988), inclusive faz uma ponte com os assassinatos do indianista Bruno e do cinegrafista Dom, enaltecendo o principal papel do artista do Teatro (que nunca deixa de se posicionar)!
O texto relembra a discussão de Laíla e Joãosinho no barracão da Beija-Flor de Nilópolis em 1988, no enredo “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia”, quando Joãosinho revolucionou o carnaval. Foram campeões, no entanto, até chegar à Apoteose, as discussões foram imensas. Laíla, não conseguia ter a visão do carnavalesco!
Somente quem já atravessou a avenida e tem nas veias a afrodescendência entenderá o que se passa no palco do Sesc Copacabana.
A experiência de assistir ao espetáculo do Carnaval é magnífica, mas experiência de vivê-lo e atravessar a avenida até a Sapucaí, fantasiado, é única. Por mais cansaço que se tenha, desde os preparativos à dura espera na concentração, ao entrar na avenida, todos são tomados por uma emoção contagiante! A força da comunidade, que trabalhou durante o ano todo para fazer virar realidade aqueles poucos minutos na avenida, parece pular no mesmo compasso das máquinas de costura, no ritmo dos pés. A alegria da arquibancada, atua como um soro nas veias, e de repente você dança, canta, pula e sorri como uma criança! A experiência é divinal e fica eternizada em cada um! E é possível relembrar esses momentos assistindo a essa montagem!
Elenco
Wanderley Gomes (Joãosinho Trinta)
Cridemar Aquino (Láila)
Ana Paula Black
Milton Filho
Músicos:
Fábio D’Lélis Percussão
Felipe D’Lélis Percussão
Leo Antunes Cavaco
Marlon Jr Violão
Texto: Márcia Santos
Idealização e Direção: Édio Nunes
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Cenário e Figurinos: Wanderley Gomes
Iluminação: Valdeci Correa
Ass. Geral e Produção executiva: Leandro Melo
Programação Visual: Marcos Acher
Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa
Redes Sociais: Fernanda Portela
Apoio: GRES. Beija Flor de Nilópolis
JOAOSINHO & LAILA
Temporada até 3/7
De quinta a domingo, 19h
Arena do Sesc Copacabana
Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana
Ingressos R$ 30, R$ 15 (meia), R$ 7,50 (associado do Sesc)
Informações (21) 2547-0156
Bilheteria – Horário de funcionamento:
Terça a sexta, de 9h às 20h;
Sábados, domingos e feriados, das 13h às 20h.
Classificação indicativa 12 anos
Duração 75 min