Para impactar, basta saber atuar

Para impactar, basta saber atuar

Sabe-se da vida, que nascemos, vivemos e um dia morreremos, mas a morte não é tão bem-vinda para muitos de nós, são rupturas dolorosas as quais nós, seres humanos passivos, não nos habituamos, e será que um dia lidaremos bem com a ideia da partida, ou da despedida?

Um espetáculo sóbrio, onde o menos impera e a elegância reina absoluta. Essa frase seria suficiente para resumir este espetáculo, mas descrever a execução desses profissionais cênicos é importante, não só para a história de cada um deles, como também para que a obra ainda percorra por outros palcos com a legitimidade de uma montagem que vale a pena manter-se viva.

O texto “Um Precipício no Mar” do inglês Simonstephens é uma dramaturgia densa, que chama a atenção por trazer a realidade da vida.

“Na peça, o fotógrafo Alex (Ângelo Antônio) visita o sogro na sua casa de praia para um feriado com a esposa e a filha pequena, como faz todos os anos. Mas a luz que pisca na superfície não mostra o abismo que está por baixo. Uma tragédia moderna de tirar o fôlego”. (Sinopse)

Inicialmente o texto causa uma certa confusão, até que o espectador embarque e mergulhe no abismo com o artista no palco. O texto impacta pela realidade trazida e também por sua força e excelência, e parece contar com o artista certo para o papel.

Na realidade, o texto foi apresentado pelo diretor Gabriel Fontes Paiva, uma fera, que pousou no Sesc Tijuca, direto de São Paulo. Gabriel parece ser perito, quando se fala de peças com diálogos e temas mais atuais, o diretor mostra entender mesmo das Artes Cênicas. Esteve à frente da direção na montagem de “A Golondrina”, que rendeu o Prêmio Shell de Teatro à atriz Tania Bondezan. Como diretor, também atuou com as incríveis Débora Falabella e Yara Novaes, no espetáculo “Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante”, da talentosíssima dramaturga Silvia Gomez, por aí já se nota a sorte dos cariocas em poder assistir de perto o trabalho desse profissional. Não só pelas referências mencionadas, mas pelo trabalho que ele executa e como traz sofisticação ao palco.

A equipe está plugada, todos conectados. Os técnicos admiram o ator em cena, acompanham passo a passo sua atuação. Existe um desenho de luz muito bem ensaiado, a cada movimento a iluminação, desenhada pelo diretor, é operada pelos técnicos, que estão atentos as expressões do corpo no palco. A cada reflexo dado, atuam visceralmente. Uma salva de palmas a cada um desses profissionais: Marcinho Domingues, Marcelo dos Santos e César da Silveira Duarte.

A notoriedade na adaptação do texto é mérito do profissional Pedro Brício, que soube trazer Machado de Assis, entre outros. Brício lembra o literário Luiz Zafon, bem-sucedido escritor contemporâneo espanhol, que apresenta uma descrição de cena insuperável, parece irreal tamanha a veracidade das palavras. Um legista das letras! Brício foi pontual e oxigenou as descrições.

A sagacidade do artista é absurda. Não basta dar acessibilidade ao Teatro por meio tradução de libras, é necessário dar acessibilidade ao espectador, aos não intelectuais, aos não “robustos de artes”. Quando o texto menciona o artista Daniel Craig, em seguida menciona sua atuação em James Bond, o eterno 007. Isso é de uma sapiência ímpar, pois bem sabemos senhores, que o artista não é uma referência nacional, sendo preciso deixar o texto claro, para que todos entendam. O texto é bem amarrado, cerzido com maestria.

Quanto ao ator, sabe-se que Gabriel ao ler a obra, pensou em Ângelo Antônio, no entanto, não sabia se seria aceito, pois o artista estava há um tempo fora dos palcos. Mas como o rio corre para o mar… nessa empreitada, o artista quebrou uma costela e tudo precisou ser suspenso.

“Quem faz teatro sabe da gravidade disso. Neste espetáculo, pequeno, tivemos que parar o trabalho de 30 pessoas, cancelar a venda de ingresso e renegociar datas com o Sesc-RJ”, afirmou Gabriel Paiva.

Mas parece que diante do texto, os fazedores de artes, se superaram e seguiram adiante! O artista sobe ao palco com a força de um leão e manso como uma lebre branca. Ângelo Antônio é perspicaz e atua durante o espetáculo como um fotógrafo mesmo, sai do palco, direciona a luz, traz verdade. Cenas maravilhosas! O ator atua com grandeza ao representar o sogro, quando faz outro personagem por um breve momento, lindo! A voz do artista continua a mesma, doce e acalenta a escuta, mais que isso, ao fechar os olhos em suas narrativas é possível ver os quadros que ele traduz. Todos sabem que Antônio é um homem de estatura baixa, mas ele fica imenso, cresce diante dos olhos dos espectadores, um gigante! O trabalho de corpo é o suficiente, nada forçado. A atuação é fidedigna a vida, nada de atropelos artísticos, muitas vezes tão distantes da realidade.

Trabalho de movimento de Ana Paula Lopez, que fique claro! Em um dos momentos, quando Ângelo descreve sua esposa — esposa do personagem — é de grande beleza poética, a maneira como a traduz com fidelidade, e uma luz azul é acesa no centro do palco, e o relato apresenta uma mulher com um vestido azul, com costas nuas, é tudo tão leal, o olhar que ele lança é tão belo, que chega ser possível constatar a mulher ali, naquele foco azul, com seu vestido azul. Em um certo momento o personagem sofre uma tragédia em sua vida, acredita-se que alguns diretores poderiam trazer a melancolia, levar os espectadores às lágrimas, mas a opção apresentada foi outra, e não passa despercebido, o drama cravado em nós dói, incrível essa percepção do diretor.

Questiona-se tanto quanto a forma de escrever, como a dramaturgia deve ser, assim e assado, para quem fala, onde está o personagem não interessa, o que interessa é que o texto chegue e toque o espectador. É o caso dessa obra, por exemplo quando o artista descreve o pequeno mercado em que a esposa foi comprar queijos, é possível estar ao lado dela nesse momento, acompanhar seus movimentos, é isso que vale!

Uma atuação inesquecível, sem um cenário majestoso, mas com uma iluminação nada pérfida, que alimenta a obra com tramas de fios de ouro. A sonoplastia apresenta um Blues, que cai como uma luva, harmonizando com todo o espetáculo. Pode-se dizer que essa é uma montagem imperdível, não por tantas menções aqui relatadas, mas pela plateia que não pisca, não abre balas com papéis barulhentos e muito menos parecem seres que emitem som!

Um transbordo cênico!

Saudamos Wilker Paulo, o novo responsável pela coordenadoria teatral do Sesc Tijuca, a equipe do Jornal Portal deseja sucesso nessa nova empreitada!

FICHA TÉCNICA

Texto: Simon Stephens

Tradução: Pedro Brício

Elenco: Ângelo Antônio

Direção: Gabriel Fontes Paiva

Assistente de direção: André Prado

Preparação corporal: Ana Paula Lopez

Trilha sonora: Luísa Maita e Ori Lab Music

Luz: André Prado e Gabriel Fontes Paiva

Figurino: Ana Luiza Fay

Colaboradora de figurino: Carolina Coelho

Costureira: Angela Maria de Castro

Hair design: Neandro Ferreira

Cenário: Gabriel Fontes Paiva

Assistente de Cenografia: André Prado

Direção Técnica: André Prado

Cenotécnico: André Salles Equipe a Salles

Cenografia:Paulo Sá, Gilvan Carmo, Walmir Jr eWellington Carmo

Tecnico e operador de Luz e som: Marcinho Domingues

Equipamento de montagem de Luz:Marcelo dos Santos e César daSilveira

Gestão de projeto:  Luana Gorayeb

Assistente Administrativo: Rogério Prudêncio

Produção executiva: Beatriz Lima e Roy D’ Peres

Consultoria de produção: Ana Luisa Lima

Programação visual:  Alexandre Brandão

Assessoria de imprensa: Silvana Cardoso – Juliana Feltz(Passarim Comunicação)

Fotos: Leekyung Kim

UM PRECIPÍCIO NO MAR 

Temporada até 31/7

Sesc Tijuca – Teatro 2

Endereço R. Barão de Mesquita, 539, na Tijuca

Quinta a domingo, sessão dupla, às 18h e às 20h

Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia), R$ 7,50 (credencial plena) e Gratuidade (PCG)