— Oi, bom dia. Posso me sentar ao seu lado? perguntou o senhor.
Perguntou o senhor Osvaldo, um senhor por volta dos seus 85 anos, para Lívia que, no auge dos seus 20 anos, se sentia aturdida, angustiada e tinha o olhar perdido no horizonte.
Ela estava sentada no banco em frente a um pequeno lago recheado de famílias, crianças e pedalinhos. O céu estava azul turquesa, sem uma nuvem sequer e o sol a pino aquecendo aquela tarde fria de outono.
— Pode sim. Fique à vontade.
E chegou um pouco para o lado, dando um bom espaço para o senhor que acabara de chegar. Intimamente, se sentiu incomodada com a presença do senhor Osvaldo. Estava ali querendo ficar sozinha com seus pensamentos e questionamentos sobre a vida e, invariavelmente, as pessoas não conseguiam ficar caladas e puxavam assunto com ela, quando tudo que ela queria era não interagir. “Talvez eu deva procurar um local mais isolado e silencioso”, pensava Lívia enquanto Osvaldo puxava um saco de biscoito polvilho de dentro da sua mochila.
Lívia deu uma olhada um tanto quanto desconfortável para o saco de polvilho do senhor Osvaldo e uma inspiração profunda com a exalação forçada e claramente audível, deixaram a inconveniência evidente.
— Aceita um biscoito, minha filha?
— Não, obrigada!
— Está muito gostoso. Ajuda a gente a pensar melhor. O barulhinho crocante amplificado dentro da sua caixa craniana é uma âncora para seus devaneios. Você deveria experimentar.
Lívia achou aquele comentário inusitado e inesperado. Sorriu.
— Não que seja da minha conta, mas posso te fazer uma pergunta, senhorita?
Lívia, incomodada, virou apenas uma parte do rosto e o olhou com o canto dos olhos. Assentiu com a cabeça, contrariada.
— Por que essa tristeza? Não combina com a sua idade.
— O senhor não sabe nada sobre mim. Meus problemas, minhas questões, minha família.
— E nem preciso saber, minha querida.
Lívia foi ficando muito irritada e começou a arrumar sua bolsa e ajeitar seu vestido para ir embora dali. “Só faltava essa agora! Um velho caduco que sequer me conhece, vindo me dar lição de moral! Me poupe! Ele não entende!”
Enquanto se ajeitava, Osvaldo continuou…
— A alegria pode ser um escudo mais forte do que o amor. Podemos amar muito e, ainda assim, nos sentirmos tristes. Cultive a alegria, minha querida. Se eu puder te dar um conselho, seria esse. E ninguém mais consegue abalar o seu estado de espírito, não importa o que aconteça. Acolha a sua tristeza. Ela faz parte da jornada, eu sei bem. Mas não deixe ela fazer morada. Ela se entranha igual erva daninha e depois é muito, muito difícil de tirar.
Lívia ia desacelerando na arrumação das suas coisas. O que ele falava estava causando, de certa forma, algum impacto por mais que ela refutasse a ideia.
— Fácil falar “fique alegre”. Não é assim que funciona. Quem me dera se fosse.
— O problema é outro. Você quer estar alegre? Quer estar feliz? Ou é mais fácil ser triste e ponto final? Sendo triste a gente pode não ser um monte de coisas, né? A tristeza, muitas vezes, é um respaldo e uma bengala. Não concorda? Qual seria sua desculpa para não fazer o que precisa se estiver sorrindo alegremente? A tristeza vira doença quando a gente alimenta ela. E é doença séria que leva os seus anos. Leva seu tempo, leva seus planos. Vai correr, mergulhar no mar, dançar, meditar, cantar bem alto uma música que te toca. Abrace seus pais, seu cachorro ou uma criança. Cultive a alegria diariamente, minha querida. Faça disso um remédio, uma prevenção. Não deixe essa doença te pegar. Ela te alicia com propostas indecentes!
Lívia olhava para o senhor e ficaram ali um tempo em silêncio. Ela se sentia constrangida porque, no fundo, ele tinha razão. Ela vinha, com frequência, legitimando o seu ócio, procrastinação e lamentação com sua tristeza descabida e muitas vezes desmedida. Era preciso coragem para se encarar de frente e aceitar que parte das suas misérias emocionais eram, cabulosamente, tecidas por ela mesma.