Ela amava fotografias.
Jogou a mochila no banco de trás do carro pois era tudo que levaria nessa viagem. Uma pequena mochila, um computador para escrever e uma boa câmera fotográfica para registrar bons momentos e viajar no tempo. Quando olhava suas fotografias, sentia como se estivesse visitando aquele lugar ou pessoa, novamente. E o curioso era que a cada fotografia revisitada pulsava em seu corpo um sentimento diferente. Já chegou a se apaixonar e odiar a mesma pessoa apenas olhando a mesma foto duas vezes. Gostava dessa sensação de interferir no passado e modificar o futuro. Era como se as imagens ganhassem vida e contassem, sob novos e infinitos prismas, várias versões de um mesmo momento.
Passaria alguns dias na estrada acompanhada de belas paisagens e de si mesma. Poucas roupas, comidas leves, água gelada e um vinho para acompanhar as noites mais frias no acampamento. Era primavera e as flores já desabrochavam, colorindo a estrada e o reflexo de seus olhos. Dirigia lentamente, ouvindo música e divagando sobre qual seriam seus próximos passos e projetos. Era curiosa, criativa e a mente fervilhava de ideias desgovernadas. A estrada ajudava a colocar em ordem seus pensamentos.
Quando, de repente, ouviu um barulho tão alto quanto seco. Um estouro repentino fez seu carro ficar pesado e arrastado. O pneu havia furado! Um click da câmera para registrar o momento, um sorriso amarelo no rosto e mãos à obra. Triângulo sinalizador posicionado e macaco hidráulico em ação. Pneu trocado e seguiu viagem.
Um pouco mais à frente, ela parou em um posto para comer e abastecer o carro. Deu uma esticada nas pernas, comprou alguns suprimentos e voltou para seu posto de motorista solitária. Girou a chave uma, duas, três vezes e nada… a bateria havia se esvaído. Um pouco contrariada neste momento, um suspiro profundo e mãos à obra mais uma vez. Registrou o momento novamente com algumas fotos e vídeos das vãs tentativas de fazer o carro pegar e tratou de encontrar o número do seguro e aguardar ajuda. Baterias devidamente trocadas, seguiu viagem mais uma vez.
Cada vez mais longe da cidade, foi perdendo aos poucos a conexão com a internet e o sinal do celular já não mais existia. Percebeu que, junto com os sinais perdidos, foi-se também o mapa do acampamento para onde ela estava indo pois havia esquecido de traçar o roteiro completo no GPS enquanto ainda tinha sinal alcançável. Estava perdida, com um pneu e bateria novos em teste.
Tentou manter a calma e o otimismo de sempre e fotografou o momento presente. Uma estrada, dois caminhos. Duas rotas surgiram diante de seus olhos e ela não fazia ideia de qual deveria seguir, de qual era a rota que a levaria para o acampamento escolhido. Respirou fundo e escolheu a rota da direita.
Seguia, seguia, seguia e quilômetros depois continuava seguindo sem avistar viva alma ou algum estabelecimento onde pudesse parar e reajustar sua direção. A essa altura já se sentia cansada, com medo e apreensiva pelo nível da gasolina que descia em uma velocidade que ela julgou exagerada demais. “Não ouse me deixar na mão agora”, pensava ela em um estado de calma budista, que só o desespero dá. Foi quando avistou, de longe, fracos pontos de luz. Uma ponta de esperança encheu seu coração e ela acelerava demais, ansiosa pra descobrir que luzes eram aquelas. Conforme ela ia chegando mais perto, seu coração acelerava arrítmico. Ela havia encontrado o acampamento! Sua intuição lhe guiou ao caminho certo e lá estava ela no destino que havia traçado desde o início. Parou o carro e, em um suspiro profundo, agradeceu aos céus.
Olhou suas fotos na câmera, relembrou dos percalços que acabara de passar sozinha e dava gargalhadas aliviadas.
Os momentos eternizados naquelas imagens já haviam ganhado um novo significado. A cada tempo, ao olhar suas fotos, um sentimento diferente era evocado e assim ela seguia vivendo, revivendo e viajando eternamente nas imagens do que foi ou do que poderia ter sido.
Ela amava fotografias.