Renata sempre se sentiu constrangida em farmácias. Se sentia invadida em sua intimidade. Achava que deveria haver uma espécie de confessionário fechado e de conteúdo sigiloso no balcão do farmacêutico.
— Um Vodol, por favor!
Pediu o senhor ao atendente da farmácia.
No momento em que o senhor disse “Vodol” Renata imediatamente pensou em que estado estariam os pés e unhas daquele pobre senhor que deveria sofrer com frieiras e micoses persistentes que demoram uma vida para serem extinguidas. Imaginava o mau cheiro que deveria exalar dos seus pés e o quanto aquilo poderia ser um incômodo. Ao chegar na casa de alguém que deixa uma sapateira estrategicamente colocada na entrada da porta para que todos entrem descalços, como deveria ser a reação do senhor? Talvez não fosse mais aos eventos para não ficar constrangido e inventasse desculpas todas às vezes que recebesse um convite ou, quem sabe, era do tipo descolado e já chegava avisando “salve-se quem puder! Vão ter que aguentar meu chulé”.
— Vocês têm teste de gravidez?
Perguntou a próxima cliente, com uma voz baixinha e tímida.
Nesse momento, Renata imaginava que ela poderia estar grávida. Quem era o pai? Estariam juntos, ou separados? Eram amantes, adúlteros e estavam encrencados? Ou eram casados e ansiavam há anos por um filho? Teria sido seu primeiro teste de gravidez, ou estava mês a mês repetindo exames aguardando ansiosamente o dia em que veria as duas listras vermelhas? Ela parecia assustada. Parecia não querer se submeter àquele teste transformador. Parecia paralisada, encurralada e pensativa. “Meu Deus, o que eu fui fazer?”
— Uma Neosaldina e um Engov, pelo amor de Deus!
Este certamente tinha exagerado. Bebeu tudo e um pouco mais no dia anterior e agora mal se aguentava em pé. A cabeça latejava e seus olhos vermelhos e inchados eram de alguém, que certamente havia passado a noite em alguma festa interminável, entre risadas exageradas, fingindo alegria com amigos que mal conhecia. Dormiu com alguém que também não lembrava o nome e acordara no susto tentando entender como tinha ido parar lá. “Oi, desculpa, qual é mesmo o seu nome? Tenho que ir! Depois a gente se vê.” Sua primeira parada foi na farmácia para tentar fazer cessar sua cabeça, que latejava como salva de tiros.
— Buscopan composto e Advil, por favor.
Esta, com certeza, estava menstruada. Pálida e com o corpo levemente curvado para a frente, com as mãos no baixo ventre e uma expressão de dor. As mãos suavam e seu corpo balançava pra frente e pra trás na tentativa de conter o incômodo. Pensava em chegar em casa, se jogar em seu sofá com uma compressa de água quente embaixo de seu umbigo e colocar alguma comédia romântica leve para assistir. Não deve ter conseguido ir trabalhar aquele dia, pois suas cólicas eram extenuantes. No que será que ela trabalhava, que lhe permitia folgar assim, em plena quarta-feira?
— Senhora? Senhora? Qual é o seu pedido, por favor?
Renata havia se perdido em seus devaneios. Chegou até o balcão e pediu baixinho uma caixa de Rivotril. Não queria ninguém imaginando o porquê de seu transtorno de ansiedade generalizada. Mas a atendente, distraidamente, perguntou em alto e bom som:
— Rivotril só temos em gotas, senhora. Vai querer mesmo assim? Ou só serve comprimido mesmo?
Renata respondeu, baixo e apressadamente, que servia em gotas mesmo e tratou de sair o quanto antes. Não queria ninguém a observando e imaginando histórias sobre sua vida.
Enquanto isso, o senhor Vodol chegava em casa e entregava o remédio ao seu filho adolescente. A menina assustada entregava o teste de gravidez para sua irmã mais velha. O rapaz da Neosaldina estava com virose. E a moça do Buscopan, de fato, estava em posição fetal no sofá, com cólicas menstruais assistindo a uma comédia romântica.
Nem tudo é o que parece ser. Mas as vezes é.