Como diz a personagem Dora, do filme Central do Brasil, eu tenho saudade de tudo. Esses dias, a falta foi de jogar bola com meus amigos. Saudades locomotivam lembranças, que nos fazem balançar. Lembrei de uma das últimas peladas que fui. Ouvi um papo paralelo — o vício do cronista — entre dois caras. Uma dupla na casa dos 30 de idade. Um disse pro outro: “Mas o que você queria ser da vida?”. O outro respondeu: “motorista de caminhão”. O menino Josué, do mesmo Central do Brasil, também queria.
Entre uma partida e outra, fiquei pensando no tempo verbal. Por que queria? Não pode mais querer? Não pode querer mais? Foi triste ver uns caras, ainda novos, da minha idade, falando de sonhos em um passado tão distante. Sei que a vida é dura, sei bem, mas o sonho amolece, esquenta o peito. Sem isso, somos só carne e osso. Acabou a partida. É outra! Volto para o campo.
Na cerveja pós-futebol, a questão não saia do meu cardápio de pensamentos. Como pode alguém assim largar de desejar algo melhor para si? Para o mundo, que precisa muito voltar a querer ser melhor, eu até relevo as pessoas embriagadas por estruturas, que aguçam o individualismo, não quererem nada, só que para si… é demais para mim. — É outra, meu amigo garçom! Obrigado. Tomo um gole para acordar outra vez.
Quando sonhar parou de ser algo bom e disseminável? Tenho lido o neurocientista Sidarta Ribeiro e ele fala muito disso. Muito melhor do que eu poderia reproduzir nas minhas realistas crônicas. Contudo, Sidarta comenta muito sobre essa mudança pela qual as sociedades passaram ao longo dos anos e o sonhador deixou de ser o norte das coisas para ser alguém que não vale a pena ser considerado, um viajandão.
Se perguntarem o que quero, eu quero demais. Ideal é querer demais. “Eu quero a sorte de um chofer de caminhão”, como diz a música dos Los Hermanos, destaque no filme Lisbela e o Prisioneiro. Cinema e viver são para sonhar. O resto é apagão. Vida? É outra! É outra coisa.