Baila no ar

Moro no décimo segundo andar. Dessa altura, a gente fica cara a cara com o vento. E quando quer ser notado, ele faz barulho. Não sopra, apita, grita. Quando estou trabalhando de casa, de janela aberta, ele sempre chama minha cortina para dançar.

Agora, olhando para ela (a cortina) enquanto escrevo essa sossegada crônica, noto que a danada está se balançando mesmo sem vento lá fora. A noite está de brisa, tranquilona, e o pedaço de pano que veste minha janela de vidro e ar não para de bailar.

Quando eu era criança, gostava de imaginar que alguns objetos da casa tinham vida, personalidade. Tipo um Toy Story das Casas Bahia. A geladeira era uma pessoa grandona, forte, dura na queda; a televisão um alguém inquieto, esperto; a rede tinha personalidade de férias, sempre de boa.

Estou começando a achar que essa minha cortina é dessa galera. Talvez tenha sido um tapete voador em outra vida e sente saudade dos velhos tempos da felicidade. Engraçado é que um lado da cortina balança muito mais com o vento do que o outro. Gêmeos com personalidades diferentes?

Pode ser também que tenha sido um cobertor de alguém que viaja por aí sem muito rumo ou coisas para guardar. Uma cortina que não tem nada a esconder. Deve causar inveja nas recatadas, presas, que não sabem dançar.

O lado da cortina que dança loucamente com o vento só precisa de uma mexida leve no ar para pular para o lado de fora e começar a bailar entre passarinhos, sacos plásticos, poeira e poluição.

Em dias de vento forte, esquece. Ela só não vai embora de vez porque está presa do lado de dentro. Fica toda para fora, chicoteando a parede externa do apartamento.

É uma dança louca. Vai para lá, para cá. Não tem muita métrica, ritmo. É só doideira e balanço. A cortina não se preocupa com as vizinhas semelhantes que ficam paradas em suas salas de estar.

Quando chove e venta e eu demoro a fechar a janela, ela se banha entre gotas e ruídos. É o Dançando na Chuva do home office. Ela não tem muita expressão. É cinza, cor de nada. Mas tenho certeza que o Felipe criança a imaginaria com uma personalidade alto astral, doidona. Uma cortina que não tem nada a esconder. Muitas outras gostariam ou deveriam ser assim.

Minha mãe sempre fala que é importante deixar as janelas abertas para renovar os ares da casa. Eu obedeço e minha cortina agradece dançando, dançando.