Muita gente fala que Noel Rosa e sua obra são atemporais. Mas será mesmo que os sambas e maxixes de um compositor carioca dos anos 1930 são capazes de sobreviver ao tempo e ainda dizer algo às novas gerações? Neste ano em que se comemoram os 110 anos do nascimento do Poeta da Vila, a banda Salvadores Dali resolveu por esta máxima à prova e decidiu festejar a efeméride de forma especial, lançando seu segundo álbum, o EP “Nos Passos de Noel”. Nesta homenagem ao grande boêmio, quatro de suas canções mais emblemáticas ganharam nova roupagem, vibrante e irreverente.
Das faixas gravadas foram produzidos quatro videoclipes, todos lançados nas plataformas digitais.
Os Salvadores Dali – um projeto gestado por Guilherme Logullo (vocais), Jorge Moraes (contrabaixo), Robson Baptista (sax), Jorge Casagrande (bateria) e Márcio Meirelle (guitarra), todos frequentadores da Praça São Salvador, encravada no simpático bairro carioca das Laranjeiras – se debruçaram em estudos sobre sua obra e seu tempo, sabedores de que seria preciso atualizar a linguagem musical em função dos diferentes modos de expressão do tempo de Noel. “Quase noventa anos depois da morte de Noel Rosa, tivemos a ousadia de transformar sua obra, respeitando as tradições, mas oferecendo uma audição mais contemporânea”, comenta Logullo.
Desta forma, o EP “Nos Passos de Noel” redesenha as linhas melódicas originais a partir de grooves de baixo e bateria, faz uso do naipe de metais estabelecendo um som mais marcante ainda acrescido por acordes distorcidos de guitarra.
Capa do EP Nos Passos de Noel – Salvadores Dali – divulgação
Abrindo o EP, “3 Apitos”, composição de 1933 que narra de forma inusitada a paquera do próprio Noel com uma operária da fábrica têxtil Confiança, em Vila Isabel, recebe interpretação teatral de Logullo, além das frases arejadas do sax de Robson Baptista, traçando um paralelo da narrativa de Noel, intensificando o conhecido humor do compositor. O resultado é um pop rock típico da década de 1980.
O primeiro sucesso de Noel Rosa, composto em 1929, “Com que Roupa” recebe atmosfera meio jazzy meio bluesy, com solos de sax e bateria. A canção narra de forma bem caricata as dificuldades financeiras de um boêmio ao tentar se vestir para ir ao samba.
Composição de 1934 e parte da Opereta “A Noiva do Condutor”, “Tipo Zero” reaparece com groove marcante e elaborado e boas soluções rítmicas. É a metamorfose de típico samba de Noel para um rock leve.
O balanço do funk e do soul brasileiro chegam batendo à porta em “Palpite Infeliz”, uma das composições de Noel com maior número de regravações por artistas da MPB. Composta em 1935, a canção é considerada o auge da polêmica entre Noel e o sambista Wilson Batista, que se arrastou por várias composições de ambos. “Palpite Infeliz” era uma resposta contundente de Noel ao samba “Conversa Fiada” de seu contemporâneo.
Gravado num estúdio nos arredores da São Salvador, o trabalho foi elaborado durante a pandemia, respeitando as recomendações de isolamento social, através de aplicativos de comunicação, armazenamentos virtuais e todos os recursos digitais disponíveis, inclusive a partir de várias reuniões e gravações feitas pelo celular.