Desde que foi criada, a guitarra elétrica passou a fazer parte da simbologia do Rock and roll. Sem a amplificação do instrumento, aquela variante acelerada de ritmos como o blues e o country talvez jamais se tornasse a referência musical da segunda metade do século 20. Mas sua condição de estrelato, seja por riffs potentes, ou por solos plenos de virtuosismo, certamente não seria possível sem o legado deixado por Jimi Hendrix, cuja morte completou 50 anos na última sexta-feira (18).
O guitarrista e cantor americano, morto precocemente aos 27 anos (mais um caso que alimenta a lenda dos ídolos mortos nesta idade), ressignificou o instrumento, tal qual Paganini fez com o violino, e influenciou o universo Pop ao longo de uma carreira de apenas cinco anos. Rato de estúdio e gigante nos palcos, desenvolveu técnicas consagradas até hoje por gerações de instrumentistas. Garoto pobre e negro, nascido em Seattle, James Marshall Hendrix, tinha antepassados indígenas. Autodidata, não possuía músicos na família e reza a lenda que seu primeiro contato com um instrumento foi através de um ukelele, com apenas uma corda, que encontrou num ferro-velho. Encantou-se. Com muito esforço, juntou US$ 5 para comprar um violão usado.
Tocou com várias pequenas bandas de sua cidade até alistar-se no exército. Serviu numa base de paraquedistas do Tennessee por menos de um ano e, provavelmente, seria um dos milhares de jovens mortos na Guerra do Vietnã. Recebeu dispensa médica por conta de uma fratura durante um salto. Um de seus biógrafos, Charles Cross, relatou no livro “Room Full of Mirrors” que Hendrix disse estar apaixonado por um colega que servia com ele. Foi a desculpa do músico para deixar a vida militar. Mesmo nunca tendo disparado um tiro, Hendrix se tornaria em breve um ídolo para os soldados Yankees, que lutavam no sudeste asiático. Era o campeão de audiência junto aos ex-irmãos em armas.
Aprendizado nas escolas do blues e da soul music
Jimi Hendrix (à esquerda) na banda do astro Little Richards – Foto: Reprodução
Entre 1964 e 1965, tocou em bandas de apoio de artistas de Blues e da Soul music, nos primeiros anos da Motown. Seu aprendizado incluiu colaborações com Curtis Knight, B. B. King, e Little Richard antes de destacar-se com os Isley Brothers.
Viveu um tempo nos bairros boêmios e intelectuais de Nova York, mas não chamava atenção. Era mais um artista alternativo sem perspectivas. Em 1966, após uma apresentação com sua banda, Jimmy James and the Blue Flames, foi descoberto por Chas Chandler, baixista do The Animals, que o levou para a Inglaterra, tornando-se seu produtor musical. Chandler ajudou Hendrix a recrutar os músicos para a The Jimi Hendrix Experience: o baixista Noel Redding e o baterista Mitch Mitchell. Com essa formação, gravaria três álbuns memoráveis em 1967 e 1968.
Jimi e Chas Chandler, baixista do The Animals, descobriu o guitarrista e tornou-se seu produtor — Foto: Reprodução
Notícia de jornal registrava a saída de Henrix da turnê do The Monkees pelos EUA — Foto: Reprodução
“Jimi Hendrix já dominava os grandes ritmos negros como o blues e a soul music, mas estar na Inglaterra no auge do psicodelismo, na Swinging London, foi a virada de chave de sua carreira. As experimentações que passou a fazer ditaram os rumos da música a partir de então”, comenta o guitarrista Victor Biglione, um dos muitos fãs confessos de Hendrix. “É curioso que foi preciso um inglês levar o cara para Londres para que ele começasse a fazer sucesso”, acrescenta Biglione. A Londres psicodélica era referência na música, nas artes plásticas, a moda. Jimi Hendrix absorveu todas essas experiências, assim como também as drogas.
Em 1967, desembarcaria na terra natal para se apresentar no Festival Pop de Monterey, por indicação de Paul McCartney. Após o sucesso em Monterey, Hendrix tentou surfar o bom momento nos Estados Unidos, iniciou turnê em conjunto com os americanos da The Monkees, e experimentava o seu auge. O guitarrista abriria o show do grupo de Davy Jones, Michael Nesmith, Micky Dolenz e Peter Tork, mas logo percebeu que eram duas propostas musicais que não se encaixavam e abandonou a temporada.
Dois anos mais tarde, Hendrix se tornaria a maior atração do Festival de Woodstock, o ícone da contracultura. Para esta participação montou uma banda de vida efêmera: a Jimi Hendrix/Band of Gypsys, com dois velhos amigos dos tempos de Soho, Bill Cox (baixo) e Bud Miles (bateria).
Transe coletivo, delirante e lisérgico
Hendrix a a consagração em Woodstock, onde foi a principal atração do lendário festival – Foto: Reprodução
Não bastasse sua técnica apurada e o virtuosismo, a performance de palco de Hendrix era, digamos, incendiária. Tocava a guitarra de costas, tangia as cordas metálicas com os dentes e ateava fogo no instrumento em pleno palco. Aquele “sacrifício” contagiava o púbico numa espécie de transe coletivo, delirante e lisérgico. Sua atuação em Woodstock foi a consagração não apenas de sua carreira, mas de um estilo de vida.
Mas que sonoridade era essa que fez de Jimi Hendrix um bruxo das guitarras? O músico usava amplificadores valvulados de alta potência, tirando deles um som saturado. Em seu modelo favorito de guitarra, a Fender Stratocaster – que tocava de cabeça pra baixo por ser canhoto – dominou a arte de usar o trêmolo (a alavanca de distorção situada próxima aos captadores que distorcia acordes sem desafinar o instrumento). Tornou-se um mestre dos pedais, sobretudo do chamado wah wah, que lhe fora apresentado ainda nas noites do SoHo pelo amigo Frank Zappa. Este pedal conferia a seus solos um efeito que praticamente simulava uma voz humana. Não que Hendrix precisasse de algo que cantasse por ele – era um excelente cantor de timbres graves e aveludados de um típico bluesman.
Inovação de Jimi Hendrix nos estúdios
Como produtor, Hendrix inovou ao usar os recursos dos estúdios de gravação para dar forma a suas heterodoxas ideias musicais. Perfeccionista ao extremo, gravava dezenas de takes de uma mesma canção levando músicos e técnicos aos limites da exaustão. Foi um dos primeiros a experimentar a estereofonia em seus álbuns, certamente influenciado pelas experiências que os Beatles já faziam com George Martin desde o álbum “Revolver”, de 1966.
Miles Davis quis ter Jimi Hendrix ao seu lado em seus projetos musicais, mas não houve tempo para isso. No entanto, os conceitos musicais do guitarrista estão cristalinos em álbuns como “Bitches Brew” em que o papel que caberia a Hendrix foi dado ao jovem John McLaughlin.
Meses antes de sua morte por overdose no apartamento de Londres, Hendrix estava seduzido por um projeto inovador e por pouco não surgiu a banda H.E.L.P, que pretendia formar com Keith Emerson (teclados), Greg Lake (baixo) e Carl Palmer (bateria). Sem o guitarrista, o trio seguiu em frente e o ELP foi um dos gigantes do rock progressivo nos anos seguintes.
Mesmo morrendo jovem e tendo praticamente de cinco a seis anos de carreira, Hendrix acumulou prêmios em vida e tantos outros postumamente, entre os quais sua inclusão no Hall da Fama do Rock and Roll dos EUA, em 1992, e no Hall da Fama da Música do Reino Unido, em 2005. Uma placa de atração turística foi erguida, com seu nome, diante de sua antiga residência, na Brook Street, de Londres. Jimi Hendrix é também mais uma cintilante estrela na Calçada da Fama da Hollywood Boulevard. Isto, é claro, sem esquecer que o músico é classificado até hoje como o melhor guitarrista de todos os tempos em listas especializadas assim como no coração dos fãs.
Por conta de contratos mal feitos com gravadoras, a família de Hendrix passou maus bocados após sua morte, por mais que seus álbuns vendessem mundo afora. Com a ajuda do então presidente Bill Clinton, um dos muitos fãs do roqueiro, a família passou a deter os direitos da obra de um dos artistas mais executados e reverenciados da história do rock.
JIMI HENDRIX – DISCOGRAFIA
The Jimi Hendrix Experience
Are You Experienced (1967)
Axis: Bold as Love (1967)
Electric Ladyland (1968)
Jimi Hendrix/Band of Gypsys
Band of Gypsys (1970)
Álbuns póstumos
The Cry of Love (1971)
Rainbow Bridge (1971)
War Heroes (1972)
Loose Ends (1974)
Crash Landing (1975)
First Rays of the New Rising Sun (1997)
Valleys of Neptune (2010)
People, Hell & Angels (2013)
Both Sides Of The Sky (2018)