Um dos maiores paradoxos da vida, trazemos dentro de nós: somos todos iguais e, também, únicos! Creio que cada pessoa que lê tal afirmativa, não só concorda, como compreende e se identifica, pois, convive com isto diariamente.
Em sociedade devemos tratar a todos como gostaríamos de ser tratados. Iguais a nós. Embora, individualmente, sejamos todos diferentes. E, por tantas vezes, até, pessoas diferentes em cada ambiente: no trabalho, na rua, em casa, com os amigos… Com certeza, uma pessoa a cada época de nossas vidas.
Sabendo desse fato, podemos entender que o esforço em criar algo que possa atingir muita gente, pode ser tão frustrante quanto o de fazer algo hermético, pois, qualquer um deles, pode ser pessoal demais quando se quer ser unânime, ou mesmo sendo muito pessoal, cair no gosto do povo e viralizar.
Este seletor “singular-plural” não é algo fácil de se controlar artificialmente e, se existir fórmula, se matará e morrerá por ela. Felizmente, hoje, ainda não é totalmente conhecida, embora, já se consiga observar comportamentos naturais e, rapidamente, copiá-los e reproduzi-los como moda, em larga escala.
A busca exasperada por esta unanimidade, não visa uma vida mais harmônica, mas o controle de impulsos e de desejos. A meta é conduzir as pessoas a um determinado consumo, tarefa bem menos arriscada do que prever tendências.
Embora nem tudo surja de forma forçada, o que dá certo se torna referência e suscita questões que independem da espontaneidade de uma obra: como é possível fazer uma nova música com as mesmas notas e acordes? Criar um novo texto com as velhas palavras? Um quadro novo com as mesmas cores?
O fotógrafo não inventa o mar, a areia, o sol, a flor… Ele apenas os une sob a sua ótica. E chega a uma nova fotografia. A novidade é a renovação dos retratados, fotógrafos, equipamentos, mídias e transformações inexoráveis trazidas pela passagem do tempo. Além da óbvia reiteração da beleza da vida.
De uma nova cabeça, que viu e viveu diversas novidades recentemente, influenciado por novos influenciadores, um artista tem novas perspectivas para criar seus quadros, ideias para escrever seus textos, apesar das palavras e das cores serem, praticamente, as mesmas que os avós dos nossos avós usavam…
Apesar de sermos ainda o mesmo bicho, as concepções sociais se transformam e, mesmo que na prática, ainda existam coisas absurdas nos dias de hoje, como a misoginia e a escravidão, em nossas ideias e sentimentos, tornaram-se inconcebíveis. Somos mutantes com habilidade de aprimorar pensamentos.
Por isso, o compositor, que não cria novas notas, pode criar algo novo, já que sente o mundo de forma diferente, juntando uma série de estímulos e abordando a música a sua maneira, mostrando seu ponto de vista, jeito de fazer, sua soma das coisas. Das coisas que ele sente, ouve e vê por aí.
A criação é como a fotografia. Ninguém inventa nada. Nada se cria e nada se perde, como disse Lavoisier. Nós apenas ressignificamos. Pegamos palavras, expressões e sentimentos, que estavam desgastados e banalizados, e damos a eles novo valor e significado, com o frescor de algo recém-criado.
Reinventar a roda é uma tolice. Mas a roda foi inventada integralmente? Será que olhando para o sol, para a lua e para a íris dos nossos pais, filhos, irmãos e companheiros, a ideia do círculo já não habitava a mente humana e, assim, já estava em nosso imaginário, desde sempre?
Não há demérito nisso. Aprimorar é nossa natureza. Como nos ensina Sócrates, quando fala sobre o mundo das ideias e como bem diz Eduardo Marinho: Observar e Absorver! Temos que descer um pouco do salto e perceber que existe muito mais inconsciente agindo por nós, do que nosso ego pode admitir.
O mais incrível, para mim, é o fato de que, apesar desses prismas serem tão únicos e individuais, podem ser compartilhados por meio da arte. E é possível se chegar perto do que foi vivido por outra pessoa e, por alguns instantes, viver seus dramas, anseios, medos, conquistas, vitórias, alegrias e frustrações…
Existem aqueles que não podem (porque não querem) ver as coisas de forma diferente e, por serem vazios de conteúdo, procuram imitar um formato que deu certo, mas só enxergam a casca. Porém, a onda se apresenta de forma natural e favorece quem procura observar, compreender e melhor se posicionar para descê-la.
Quanto mais buscamos ser o que somos, sem imitar descaradamente ninguém, mas sabendo que, naturalmente, trazemos influências de tudo que nos cerca, mais temos a chance de ser originais, de chegar a resultados inéditos e, por isso, agradarmos de forma espontânea e verdadeira.
Voltando ao começo do texto, igualamos a equação: se somos todos iguais, em essência, quanto mais perto chegamos de nós, mais perto chegamos de todos. Como uma bússola, temos nossa essência como um norte, que é um grande imã, semelhante ao que somos, para onde todos nós sempre apontaremos.
Que neste ano que se inicia, consigamos ver o todo que habita em cada um de nós e a cada um de nós em todos!
Um abraço e até a próxima!