Músicos e apreciadores de música, apesar de lidarem com estratos diferentes da mesma matéria, têm em comum o amor por ela. Que, além de ter muitos amantes, sinceramente interessados, também tem o poder de fazer das opiniões sobre si, discussões acaloradas, cheias de verdades para todos os lados.
O amador, seja apreciador ou músico, dedica a ela todo o tempo que pode, mesmo que receba como pagamento, apenas, a satisfação. E pode tornar-se, com o tempo, seu exímio e profundo conhecedor (sempre capaz de loucuras).
Já o profissional, por definição, foi quem fez dela o seu meio de vida e assim é considerado, sendo bom ou ruim. É bem complicado definir o que é amador ou profissional, já que as diferenças podem ser muito tênues, elásticas e variáveis. Ambos têm muitas matizes.
Seria muito simples, se a diferença fosse, apenas, viver ou não de música. Obviamente, artistas consagrados e espectadores, que vivem realidades diametralmente opostas, se encaixam e preenchem, de forma perfeita, os estereótipos de astro e de fã (extremos da pluralidade existente).
Ser profissional, nunca foi selo de qualidade. E, hoje em dia, aquelas velhas desculpas — “Só estou fazendo o meu trabalho” ou “É só meu passatempo” — que justificam poder fazer o que der na telha, não colam mais. O fato de se viver ou não de um ofício, não é permissão para abusos, falta de: educação, bom senso, ética, capricho, vergonha na cara…
Apesar de ser corriqueiro, é errado pensar que um músico profissional, é bom em tudo o que se refere à música. Pois, enquanto está desenvolvendo sua identidade artística, não tem influência, apenas, de seus gostos e referências, mas, também, de ter ou não suas habilidades desenvolvidas.
Como a vontade é desproporcional à velocidade de aprendizado, é natural que a evolução se dê de forma individual, diante das facilidades e dificuldades. O que mais se gosta, faz-se melhor. O que mais se repete é absorvido. O que não interessa, se é menos hábil ou não se entende, comumente, se deixa de lado.
A plenitude do músico está, sobretudo, em sua capacidade de superar esses limites. Mas poucos têm o conhecimento e o distanciamento necessários para perceber onde estão e como ultrapassá-los. A maioria, depende dos mestres, mentores e colegas, que serão o espelho e o exemplo a seguir ou negar.
A maioria, no entanto, não preenche todos os requisitos que os fariam os perfeitos estereótipos do profissional ou do amador, vagando no hiato entre eles.
Para a OMB, a Ordem dos Músicos do Brasil, o músico que já trabalha como tal, não é considerado profissional se não lê partitura. A ele chamam de prático. Porém, nada garante que aquele diplomado, que ingressou na faculdade de música, justamente, por já tocar, ler e escrever, consiga trabalhar como um.
Um músico tímido, pode não conseguir sobreviver da profissão. Um “cantor de chuveiro” mais audacioso, pode ter milhões de inscritos em seu canal. Quem se diz “músico frustrado”, pode esconder um grande talento, sufocado por críticas malfeitas ou, então, uma enorme falta de vocação para dedicar-se ao estudo.
Podemos cunhar ainda, o termo “profissional-amador” que seria pejorativo, quando se referisse ao profissional que não tem responsabilidade e gera problemas para si, para os colegas e para o empregador; ou apreciativo, quando se referisse ao profissional que ainda ama o que faz.
Analogamente, teríamos “amador-profissional” que seria pejorativo, quando se referisse a alguém que tire vantagem da condição de amador (vide os artistas que fizeram dos “festivais amadores”, sua profissão); e apreciativo, quando se referisse ao amador que, apesar de sua condição, age como um profissional.
Mas a discussão sobre amadores e profissionais, na verdade, é apenas parte de uma questão bem mais profunda sobre entretenimento e arte, já que esta, ao questionar e trazer reflexão, acaba se posicionando, muitas vezes, de forma contrária ao mercado, longe da anestesia sem oposição, que é o entretenimento.
E quando colocada acima de tudo, pode desagradar ao público e, indiretamente, aos outros profissionais envolvidos, que pertencem às partes administrativa e financeira da carreira do artista. Criando grande pressão, para que ele faça mais do mesmo, afinal — “Em time que se ganha, não se mexe.”
Desde a antiguidade, os mecenas, que eram incentivadores da arte e da cultura, sempre tiveram um papel fundamental. Mas poderiam ser bons para o artista, permitindo-o ser livre em sua arte; ou impor suas vontades, já que o pagavam.
Ser profissional e viver exclusivamente de arte, nunca foi garantia de liberdade para o artista fazer o que o inspirava. Ao contrário, sempre o fez inseguro ao declinar das vontades de quem o patrocinava, mesmo que isso o violentasse. O amador, que não dependia da arte, sempre foi livre para fazer o que bem entendesse.
Sempre existiram, também, profissionais que faziam sua arte como queriam, mesmo sendo bancados. Com certeza, isso lhes exigiu muita coragem e fé. Com o tempo e a organização da sociedade no século XX, muitos artistas passaram a ter mais de um emprego, assegurando o sustento da vida pessoal e profissional.
Jacob do Bandolim, mesmo na contramão, manteve-se firme no choro, quando o gênero já era considerado obsoleto (!) e se sustentava, também, como serventuário da justiça. Guinga, era dentista e dizia que o fato de exercer outra profissão, o permitia fazer sua música, sem fazer concessões.
Afinal: quem é o porta estandarte da arte? Aquele que se dedica a algo que acredita ou quem se dedica ao que os outros creem? Correndo o risco de plagiar a terceira lei do tio Isaac, eu diria: seguir, somente, a própria vontade, é a mesma escravidão de querer, somente, agradar. Só que em sentido contrário.
Um abraço e até a próxima!