“Que rostinho lindo você tem, por que não emagrece?” Talvez essa tenha sido a frase que mais escutei ao longo da minha vida. Impressionante como o apego aos padrões segrega, são cruéis e velados. A camuflagem das ofensas surge em forma de eufemismos como “fofinha”, “gordinha”. O assopro dado em forma de elogio ao rosto (modéstia a parte, quase sempre bonito da mulher gorda), antecede a mordida representada pela pergunta em relação ao emagrecimento. Mas a inversão da ordem entre o morde assopra apenas disfarça o fato de que essas duas orações afirmam que há algo de errado conosco.
A gordura não é como muitos pensam, sinônimo de desleixo, acomodação, falta de força de vontade, ou qualquer outro adjetivo pejorativo que queiram atribuir. As pessoas são únicas e diferentes em seus biotipos, em suas características físicas, psicológicas ou mentais. A título de ilustração, apenas para terem uma noção, não sei nem precisar quando me percebi gorda, mas sei que foi ainda na primeira infância. A vergonha embutida na voz embargada de minha mãe quando alguém que desejava me presentear perguntava o número de minha roupa, ecoou por anos durante muito tempo. A criança gorda, já passa por muitos problemas no convívio social, o “bullying”, que na minha época não tinha esse nome, as limitações para participar das brincadeiras, a afetam desde numa brincadeira de pique-tá, já que todos conseguirão correr dela, até nos esportes coletivos, quando sempre é a última a ser escolhida devido ao baixo rendimento. E o pior, se não é introduzida, sente-se rejeitada, e quando é convidada a participar se frustra sozinha ao constatar as próprias dificuldades. Nunca esqueci a frustração de nunca ter conseguido atravessar um brinquedo chamado trepa-trepa, onde trocando as mãos as crianças atravessavam penduradas de um lado ao outro.
Em seguida aparece a puberdade, e a menina meio sem compreender , é intimada a usar sutiã, antes dos bicos do peito propriamente ditos aflorarem… Tudo isso vai acontecendo no meio de crianças magras e gordas. As primeiras tidas como “normais” e dessa forma o conceito de anormalidade vai sendo impregnado na sociedade. Estas crianças magras, que crescem neste contexto, muito provavelmente são os adultos que dizem que o “rostinho é lindo, só precisa emagrecer”. Ou ainda, os homens adultos que “objetificam” o corpo gordo em seus fetiches, mas não tem a coragem de assumir sua “plus size” diante da sociedade.
Nem sempre o gordo não tem saúde, assim como existem magros com doenças. A saúde deve ser vista prioritariamente! Mas o conceito de beleza não deve estar atrelado a nenhuma forma física. Somos muito mais do que um corpo! Se historicamente avaliarmos, os padrões de beleza são sempre estipulados valorizando o que é mais difícil para se conquistar em cada época. Já houve tempo, onde o alimento era escasso, no qual a gordura era a referência de beleza, ela representava que aquela pessoa não passava necessidades. Hoje, em plena era dos fast foods, dos corantes, conservantes e industrializados, que ocupam a maior parte das prateleiras do mercado, ser magro é sinônimo de beleza, já que diante de tantas ofertas engordativas, manter o corpo em forma é bem mais difícil.
Contudo, a mulher gorda, quer vestir-se na moda, quer ser e pode ser sensual, quer comprar lingerie, biquíni, quer ser desejada, amada, receber carinhos e atenções publicamente. Mas, o sistema cada vez que a segrega, seja por não ter um assento ou cinto de segurança que lhe caiba, seja por não fazer seu tamanho para roupa algo naturalmente exposto para venda, dificulta ainda mais sua autoaceitação. Só quem passa por isso sabe a dificuldade em encontrar roupa na maioria das lojas. Algumas aderiram aos departamentos “plus size”, o que de certa forma separa a gorda das demais mulheres, portanto, ainda há muito a se amadurecer. As gordas, são mulheres como outras quaisquer, têm vaidade, autoestima, e se não as têm, esteja certo que houve uma significativa participação da sociedade nesse processo.
Sou gorda sim, atualmente preciso emagrecer por conta de problemas na coluna, mas não quero de forma alguma ser uma magra infeliz, cheia de preocupações com calorias, essa não sou eu! Meu biótipo é de mulher gorda! O sobrepeso será meu companheiro e não interferirá nos meus encantos. Saúde em primeiro lugar! Mas a sociedade precisa respeitar essa mulher que está ávida para ocupar seu espaço no mundo com toda abundância a que tem direito!