Tirei uns dias de folga/férias e passei uma semana no interior do Nordeste. Tomando todos os devidos cuidados com a pandemia, evidentemente. Fui de avião. Toda vez que pego um avião, me lembro de uma viagem que fiz em 2011, quando conheci seu Júlio, pedreiro, não sabia ler, escrever e estava voando pela primeira vez. Voando de aeronave, no caso. Na vida, ele já havia rasgado muitos ares por aí.
Seu Júlio viajou sozinho, foi pra a Paraíba visitar a irmã que não via há décadas. Perdido no mundão que é um aeroporto, Seu Júlio me pediu ajuda. O acompanhei do chek-in à aeronave, que era a mesma da minha. As cadeiras na mesma fileira. Parece que o destino queria que eu escrevesse essa crônica dez anos depois. Triste destino. Não teria ele mais o que fazer?
Acomodado na desconfortável cadeira, Seu Júlio era só alegria. O avião subiu, ele riu. O avião desceu, ele riu. Turbulência? Segundo ele não passa de uma pista esburacada. E ria. Só ria. Era só alegria o coroa que, no auge dos seus 60 e tantos anos, não passava de um menino realizando um sonho que nunca havia sonhado.
Ele também era gratidão. Repetiu a palavra obrigado algumas dezenas de vezes na viagem de três horas de duração. Inclusive em suas orações. Seu Júlio disse que ali estava mais perto de Deus. Falou no ouvido dele, me contou.
Esse tipo de situação era muito comum. Em nosso país, a vida era menos pesada para muitas das pessoas mais desfavorecidas economicamente. Era tão mais leve que podia até voar vez ou outra. Era outro Brasil.
Seu Júlio estava indo pra Ingá, no interior da Paraíba, onde tem uma pedra com escrituras rupestres feitas séculos atrás. Ele gostou de mim e me chamou para tomar uma dose com ele lá na cidade. Não fui daquela vez. Contudo, nessa última viagem, estive em Ingá. Vi a pedra histórica, mas não vi seu Júlio. Quantos seus Júlios, nós perdemos em tão pouco tempo?