Nos últimos dias, por conta de uma declaração de Bolsonaro, dizendo que ninguém era obrigado a tomar a vacina contra a Covid-19, o debate antivacina veio à tona no Brasil. Nossa… quanta involução. Tem vacina contra isso? Parte do país precisa. Urgente!
Tudo isso me fez lembrar uma história que vivi há dois anos.
Em 2018, decidi me vacinar contra febre amarela. Não estava muito interessado em receber a picada, mas considerei alguns pontos e fui. Os surtos da doença são frequentes, eu ia viajar para o interior de São Paulo (onde havia grande quantidade de contaminação) e como ainda era a dose para a vida toda, tomei meu lugar na fila para tomar a vacina. Ah, as filas… essas reuniões de pessoas deveriam ser estudadas. De verdade. É possível descobrir muito sobre uma população somente observando suas filas.
No local onde tomei a vacina foram distribuídas 250 senhas. Meu número foi 133. Fiquei à frente de muita gente, mas vale o destaque para uma família, que, por sua vez, estava exatamente à frente de um casal de idosos.
A família era composta pelo pai — um homem com atmosfera neutra, com cara de nada —, mãe (uma loira jovem) e dois bebês gêmeos e pequenos com, aparentemente, bem menos de um ano de idade. Isso até chegar o restante dos parentes.
Quando o Sol já estava furando a cabeça de todos os presentes na fila, chegaram mais dois casais, um deles com mais uma criança (essa de uns quatro anos de idade) e se juntaram à mulher loira, ao homem com cara de nada e a sua dupla de pequenos gêmeos. Isso foi a gota de suor, digo, d’água, para o idoso, que tinha pinta de militar aposentado, e estava atrás deles na fila.
O senhor se aproximou da família crescente e reclamou da agulhada que deram na fila. O homem com cara de nada disse que só iria vacinar as crianças, que ele e sua esposa não tomariam a vacina, por isso não teria problema os casais recém-chegados e a outra criança ficarem no lugar. Tudo isso aconteceu na fila para a fila, antes da distribuição das senhas.
O idoso com pinta de militar aposentado não reagiu bem ao argumento do homem com cara de nada. Cobrou ordem. Disse que não era assim que as coisas deveriam ser. No calor do momento, a esposa do idoso desejou que toda a família-fura-fila pegasse febre amarela. Haja mosquito. Afinal, era muita gente.
Assustada, a mulher loira, esposa do homem com cara de nada, começou a fazer uma oração na direção da senhora do coroa com cara de militar aposentado. Ela desejava luz à mulher. A senhora, por sua vez, disse que não precisava de luz coisa nenhuma, pois seu deus e seus orixás já davam isso para ela.
A discussão foi ficando calorosa (independentemente do Sol) e ambos os lados se definiam o tempo todo como “pessoas de bem”, que tinham seus direitos.
Quando começou a distribuir as senhas, a agente de saúde recomendou que idosos e crianças com menos de nove meses de idade deveriam evitar a vacina. Justamente os grupos nos quais os brigões da fila de se encaixam. O motivo era que eram pessoas vulneráveis à dose.
Ainda assim, eles pegaram os números e ficaram para se vacinar. Como eu estava na frente deles, me vacinei antes e não vi se eles conseguiram a vacinação. Até considerei ficar para saber o fim da história, mas tinha um compromisso.
Antes de eu entrar na sala para entrar na agulha, saiu um homem perguntando em tom sério e irritado para a enfermeira se ele havia mesmo sido vacinado, pois ele não estava olhando na hora da aplicação e não sentiu nada. Uma médica que estava lá garantiu que sim, que ele havia tomado a vacina. Ele saiu da sala ainda com expressão de quem não estava acreditando muito na história.
Falando em história, em 1904, na cidade do Rio de Janeiro, a população se revoltou por conta de uma campanha de vacinação obrigatória. Foi a Revolta da Vacina. Em 2018, a briga foi para se vacinar. Até quando não é recomendado.
Dois anos depois, surge outra onda contra a vacinação, no meio de uma pandemia que já matou tanta gente pelo mundo. Será que temos cura? Cada vez mais, tenho achado que não. Já estou meio vacinado.