Estou indo embora depois de um dia de trabalho. Entro no ônibus, no Centro da cidade, e só tem um lugar vago. Sento ao lado de uma senhora que fala ao telefone. Fala é bondade minha. Ela grita. E muito. Talvez seja meio surda — talvez, eu também tenha ficado meio surdo. Ela está com o celular na orelha que dá para o lado da rua. O trânsito para (normal), um grupo de garotos começa a tentar cometer furtos, pegar pertences de pessoas, que estão com as janelas abertas nos coletivos, ou nos carros de passeio (normal). Vi a movimentação de longe e pensei: “Se alguém roubar o celular dela, eu vou poder ler meu livro sem ter de escutar essa voz que equivale a um show underground de heavy metal. Não vou avisar coisa nenhuma. Que se dane essa velha”.
Contudo, sou um bom rapaz, acabei dando a dica: “Senhora, cuidado com o celular. Têm uns moleques tentado roubar ali na frente”. Ela agradece secamente e diz: “Essa cidade está cheia de ladrões”. Troca o telefone de ouvido e continua a conversar em tom elevado sobre uma sobrinha “irresponsável” que está devendo “um dinheiro forte” para uma prima “mosca-morta”.
A viagem segue lenta e a velha não para de gritar ao telefone. Eu já havia desistido de ler, estava tentando dormir e puto da vida por ter esquecido o fone de ouvido em casa. Muitas pessoas no ônibus — além de mim — já estavam visivelmente incomodadas com a mulher que não parava de falar alto. Quase levantei e fiquei em pé, mas moro longe do Centro, seria cansativo demais.
Mais à frente, ainda no Centro, três rapazes, vinte e poucos anos, negros, sem camisa, empurram uma espécie de carrinho, carrocinha, com um grande saco preto. Eles aproveitam que um semáforo está fechado e para atravessar a pista mais rapidamente dão um empurrão forte no carrinho e saem correndo atrás do “veículo”. A velha pausa a conversa que está tendo sobre o preço do gás e grita (mais que o normal): “Pega ladrão! Pega ladrão!”. Todos se assustam no ônibus. E até do lado de fora. Dois policiais – que deveriam prender a velha por desrespeitar a lei do silêncio – olham para a coroa gritante e ela aponta os rapazes. Os PMs chegam perto, numa boa. Os garotos também ficam tranquilos. Um dos policiais abre a sacola preta e tira uma latinha de alumínio de lá de dentro. Os fardados liberam os três jovens, que não estavam fazendo nada de errado. A velha olha pra mim e fala: “Essa cidade está cheia de ladrões”.
O ônibus se livra dos engarrafamentos mais extensos, no entanto, ainda segue um fluxo lento. A velha para de falar por alguns instantes. Eu agradeço aos céus e ao sinal da operadora, que deve ter caído. Pego no sono por poucos minutos, pois logo sou logo acordado (no susto) pela gritaria da velha, que agora fala ao telefone com o Zé sobre como a cidade do Rio de Janeiro está perigosa.
A velha está com o celular na orelha que dá para o lado da rua. Fico olhando para ela e pensando em silêncio: “Pega, ladrão. Pega…”. Mas aquele ponto da cidade não estava cheio de ladrões. Nesse caso, infelizmente.