Cia de 2 é uma companhia teatral do interior de São Paulo com quinze anos de estrada. O espetáculo “Leões, Vodka e um sapato 23” já participou de festivais e para sorte do público, permeou para o virtual durante a pandemia.
A peça busca ressignificar questões morais e éticas, no trato aos animais na história do circo. Questões existenciais são tratadas, como liberdade, fome e morte.
As imagens de divulgação do espetáculo conotam uma obra infantil, só que não!
Ao começar a assistir, pode-se imergir, de imediato, ao picadeiro e o público é estimulado a dar boas gargalhadas, independentemente do estado de espírito de cada um, todos são sequestrados e carregados para um universo paralelo risível. Os personagens caricaturescos não são dimensionáveis na arte de se fazerem hilários.
Como foram capazes de fazerem graça diante de uma história tão macabra?
Não é spoiler, mas qualquer um que leia antes a sinopse da peça irá se deparar com a tragédia ocorrida em abril de 2000, no circo Vostok, em Pernambuco. Um fato real, evidente do fracasso da sociedade, que até os dias atuais, não sabe dar à vida seu devido valor e respeito, e com isso, a raça humana vem provando desse amargor, até chegar a mais de trezentas e cinquenta mil mortes no país governado por negacionistas da vida!
Até onde os leões são os culpados pelo acidente, em Recife?
Eles pagaram com suas vidas e estômagos vazios, foi exatamente isso!
Após a necropsia descobriu-se que estavam sem comida há muitos dias, sem contar o instinto natural dos felinos.
Os Vostoks (nome russo que dá alusão à “vodka”) fugiram para os Estados Unidos para não responderem pelo crime. E daí nasceu esse texto, com uma dramaturgia divertida, onde quatro artistas miseráveis buscam sobreviver, assombrados pelos fantasmas dos leões.
O figurinista conseguiu fazer ressuscitar os leões, costurados e baleados de maneira satirizada. Chris Galvan palmas para você, belíssimo trabalho!
O cenário em nada diferente, o núcleo de pesquisa e montagem do espetáculo não fugiu como a família Vostok, mas encarou o circo e o fez ser útil para a apresentação desses artistas. Os adereços dos profissionais Marcio Douglas e Orlando Sales são de muita competência, deram ainda mais vida a dramaturgia.
As mulheres ocupam espaços e fazem toda a diferença em um espetáculo. Nesta direção, a irrepreensível Daniela Biancardi, a dramaturgia da grandiosa e perspicaz Suzana Aragão, ambas arrebatadoras!
Ao elenco cabe o agradecimento a cada um, Adriano Laureano, Jean de Oliveira, Jonas di Paula e Guilherme Padilha. Conseguir fazer rir, frente a uma história trágica e em um momento de dor é de uma sagacidade ímpar.
Leãozinho, está lá… A história de uma gata? Está lá também…
E como se não bastasse, o áudio do Mufasa chega aos ouvidos. Não havia como deixar de lado o amado Rei leão.
A narrativa tragicômica desses leões é um show cênico de grande valia para os espectadores, sem contar em como ressignificam a importância de não aceitação da prática circense que usa animais para o entretenimento.
Sensacional, os leões roqueiros, as vozes extremamente bem preparadas que permitiram aos leões rugirem muitíssimo bem, a concepção da expressão corporal que chama atenção e merece ser mencionada. Um trabalho de corpo riquíssimo!
Uma obra onde todos, absolutamente todos os envolvidos, são peças preciosas para o belo resultado. Não há como se afirmar que são os melhores do mundo, mas que por uns minutos levam os espectadores a voarem como balões de gás hélio, em um céu mais azul e límpido, sem vírus, é certo!
Um vírus mantém o público longe do teatro, ou é o vírus humano que corrompe a própria raça?
Que o teatro seja eterno e que os leões bufões tenham liberdade para se expressarem em seu habitat, que é o lugar deles!
LEÕES, VODKA E UM SAPATO 23
Dias 12, 13 e 14/4, às 19h
Assista pelo Youtube: https://m.youtube.com/c/teatrociade2
FICHA TÉCNICA
Elenco: Adriano Laureano, Jean de Oliveira, Jonas di Paula e Guilherme Padilha
Direção: Daniela Biancardi
Direção Musical: Mateus Guimarães
Figurinos: Chris Galvan
Iluminação: Renato Junior
Orientação Dramatúrgica: Suzana Aragão
Cenografia: Núcleo de Pesquisa e Montagem do espetáculo
Confecção de Cenário: Willian Alves e Orlando Sales
Edição de Som: DJ Evelyn Cristina
Adereços: Marcio Douglas e Orlando Sales
Fotos: Miguel Ramos
Arte Gráfica: Marcio Douglas
Produção: Jean Oliveira
