O texto encantador apresenta um jogo de palavras e descrições invejáveis, onde a criatividade vinda de bandas nordestinas parece nunca cessar. Um espetáculo “de tirar os pés do chão”, um manjar cênico.
Quantos questionamentos diante da grandeza do Nordeste, um mergulho um tanto quanto preciso para entender sua beleza e sua história. E ninguém melhor para fazê-lo que os artistas nordestinos, fato! Uma aula de história no teatro, nada previsível, pois o povo de lá parece se recriar a todo tempo.
O figurino adequado, onde menos é mais, bastante coerente. O brilho dos artistas já dá o sol necessário, pois além de clarear a jornada pandêmica, também aquece a alma, com o afeto contado em suas histórias.
Um cenário desafiador lembra grandes e antigas produções, onde objetos são personagens e falam. Mas falam de verdade, são trazidos à cena com legitimidade.
Eca, o “diabo usando a faixa presidencial” aparece por lá, não de forma cordial, porque diante de mais de quatrocentas e quarenta mil mortes nas costas, obviamente, que flores não brotariam nesse caminho, o teatro político presente passa pela fome, pela emigração, pela seca…
O audiovisual é inteligente, artesanal, como o teatro deve ser. São artistas nordestinos e não são quaisquer artistas, são verdadeiros representantes do teatro nordestino. “Êta mulesta”!
Premiado pelo Prêmio Shell de Teatro, um dos mais importantes do seguimento, “A Invenção do Nordeste” merece todos os reconhecimentos que lhes são dados. Um mês antes da pandemia, viriam ao Rio de Janeiro, iriam apresentar a montagem “Jacy”, no Sesi Firjan, mas não deu tempo e nem por isso deixaram de trabalhar. Foi possível assistir à “Jacy”, no Sesc ao Vivo, outra maravilha do teatro Carmim.
A sorte é que de tão bons, sempre estão se apresentando, com uma plateia virtual de muito peso, o que raramente é possível de se ver, uma plataforma abarrotada de espectador, principalmente quando se trata de teatro.
E falar dessa obra “A invenção do Nordeste” é dar lirismo à dor, à história dolorida e à puxada do cangaço. Trabalho de corpo convincente, satisfatório para aqueles que os assistem. A dança faz parte do nordestino, porque não faria parte do palco do povo de lá? São excepcionais, divinos, talentosos, unanimemente perfeitos!
Mateus Cardoso leva o espetáculo com sua dança ao alcance da perfeição. O artista desafia sua teatralidade com seu corpo, que parece entender a luta dessa narrativa, que o ator lhe incumbiu, braços e pernas dançam e se apresentam, contando histórias.
Henrique Fontes parece ter consumido a dramaturgia tal como o pulmão inspira o ar.
Robson Medeiros é um ator em casa, muita naturalidade em sua teatralidade.
O teatro político faz suas críticas de maneira inteligente, uma sacada excelente, bem astuto.
A música adentra com fúria, impossível não se achegar, tamanha a potência da música do Nordeste! Que maravilha ouvir essa região multicolorida, culturalmente multifacetada.
E para entender o Nordeste, precisa-se ouvir mais sobre Lampião e Maria Bonita.
Que primor é a obra, que espetáculo educador! É de dar orgulho a qualquer cabra-da-peste!
E as dicções deles trazem ainda mais verdade, porque eles são crias da terra, mergulhados nesse mar de arte, que principalmente a parte de lá entende.
Henrique Fontes ao trazer diversos estilos de teatro ao palco, é de uma beleza que causa euforia em na alma, é de embasbacar. E se existe alguém que ainda não gosta de nordestino, passa a amar, porque não há nada mais instigante que esse primor.
As menções dos grandes nomes literários são uma delícia e casam bem ao espetáculo.
Principalmente Gilberto Freyre, grande socialista, que apresentou ao mundo “Casagrande & Senzala” e as marcas da escravidão, que nunca cicatrizaram no Brasil.
O Nordeste sempre foi e será uma inspiração à arte brasileira. E se o espetáculo migrou para o audiovisual, o fez com perspicácia, porque o vídeo apresentado dá ainda mais cor ao espetáculo, do que se pode imaginar. O desenho do Brasil em um mapa é traduzido com delicadeza e salienta suas belezas e negatividades.
A filmagem das cadeiras vazias do teatro, leva os amantes do teatro segurarem as lágrimas.
Ser ou não ser, segue a questão… Mas, o que importa mesmo é seguir, com cordel ou sem cordel, com Ariano ou sem Ariano, com ou sem o tão cantado Alazão, mas seguir porque o teatro Carmim vem sem freios, aliás ele é sem freios!
Uma vez o ator Robson Medeiros foi questionado do porquê o sucesso bater à porta dessa companhia teatral e respondeu que “o Teatro Carmim fala para todos, seja acessível para intelectuais ou não, para entendedores ou não de teatro, ele fala a todos os ouvidos”, daí é possível entender que realmente essas são características nobres do povo nordestino, que sempre soube tratar com plena empatia o povo de cá, de lá e de acolá! Sem fazer distinções.
“A Invenção do Nordeste” é uma obra de auto ficção do Grupo Carmim, baseada no livro “A Invenção do Nordeste e Outras Artes” de Durval Muniz de Albuquerque Jr.
São magníficos!
A INVENÇÃO DO NORDESTE
Única apresentação
On-line e gratuita
Dia 13/6, às 20h
Canal Youtube Itaú Cultural
Acesse: https://www.youtube.com/c/itaucultural/featured
FICHA TÉCNICA
Direção: Quitéria Kelly
Dramaturgia: Henrique Fontes e Pablo Capistrano
Elenco: Henrique Fontes, Mateus Cardoso e Robson Medeiros
Foto Rafa Reis