No canto do cisco, no canto do olho, pela janela do carro, pela tela, pela janela, do 348 quase cheio, sentido centro do Rio, perto da Cidade de Deus, vejo um menino dançando. O tempo da música o cercava feito roda. A nova favela que nasce dentro da velha, às margens da rua principal, as ruas dos lados, sem muitas saídas.
Na sombra da antiga mangueira, ao lado do sinal de trânsito onde param carros e vidas, o menino dança. Um passo de funk. Chama os amigos para o baile solitário. Todos riem. Não é sobre ser feliz entre casas inacabadas e sonhos pela metade. É sobre, simplesmente, dançar. Só acredito nos deuses que dançam e todos os dias nascem deuses, como canta a banda Nação Zumbi desse Brasil todo.
Não se importa com quem olha. Tateando o ar com os passos das mãos, ele baila natural como quase tudo o que o homem destrói. O menino dança e os outros já nem sorriem mais. Rotina? Talvez.
A cena aconteceu num dia de semana, desses de rotina mesmo, em um dos lugares mais pobres de um dos lugares mais pobres da cidade do Rio de Janeiro. Lembrei da frase do Beto Sem Braço: “O que espanta miséria é festa”. Mesmo que seja por um momento, uma faixa.
Quase todos pretos, os garotos arremessavam mangas no alto da mangueira para tirar as frutas maduras. Eles são novos, meninos de 12, 13 anos. Pensei: “Já pensou se uma manga dessas acerta uma janela vizinha?”. Mas logo vi que as casas próximas quando muito tinham paredes. Janela de vidro só as do ônibus onde eu estava. Fechadas. E o garoto dançando. Agora, outro passinho.
Entre pressas e preces, o ônibus seguiu e a cena que durou segundos eternizou nas minhas ideias. Só acredito nos deuses que dançam e todos os dias nascem deuses.