O Dom Quixote brasileiro

É teatro filmado, tem “um quê” de teatro e se tem teatro está valendo.
E se o espetáculo for “O Incansável Dom Quixote”, está mais que valendo e mais que na hora de assistir a uma obra-prima, daquelas que não se pode deixar passar pela vida.

A destreza de Maksin Oliveira, diretor, produtor e solista, é de se admirar.

O texto, longo e dinâmico, exige do ator ensaios ininterruptos. Só não pense que irás assistir apenas a um artista bem ensaiado, vai muito além disso. Lógico que “Sancho Pança” e seu cavalo estão presentes, mesmo sendo um monólogo, como reza a literatura.

A qualidade na dicção do artista deixa qualquer espectador estupefato com as variedades de sons que apresenta. Como se isso não bastasse, o artista ainda se consagra com suas partituras corporais. Ele parece dançar, os movimentos são intensos e vívidos, há uma força no artista que pouco se vê. A autenticidade de Maksin é soberana e o conduz por caminhos inerrantes. Ele parece adivinhar o que os amantes do teatro esperam de um artista. É multifacetado, um Dom Quixote brasileiro jamais visto. Um artista “pilhado”, que entendeu, sabiamente, como conectar sua plateia através de uma tela.

Não sei se é lírico como descreve a sinopse, mas está além, é o resumo da garra de um artista defendendo seu ofício, em um momento estranho para o mundo. Maksin consegue juntar o teatro de palavras à dança.

E o figurino? Perfeito! Salve Leonam Thurler e sua sobriedade, na elegante e harmoniosa indumentária. Caracterização tão nobre quanto a tudo assistido. Reinaldo Dutra, numa direção cênica precisa e robusta! Roupas velhas costuradas, exatamente como se apresenta Dom Quixote de La Mancha, descrito por Cervantes, no imaginário para a maioria das cabeças.

Essa dramaturgia pertence a Maksin Oliveira, ao próprio ator. O solista brinca com sua criação e ultrapassa Dom Quixote de Cervantes, com a torcida do flamengo!

Quem diria, que o livro mais publicado no mundo, apenas atrás da Bíblia, seria tema durante a peste deste século? Esse é o maior romance de todos os tempos, escrito em 1605, por Miguel de Cervantes aos 50 anos. Cervantes trabalhou para o governo, foi da infantaria espanhola e já com a mão esquerda destroçada retornou à Espanha. Escreveu o romance “A Galateia” e convencido de que não poderia ganhar a vida como escritor passou a cobrar impostos para o Governo. Continuou escrevendo para o teatro, mas o sucesso só veio com “Dom Quixote”, publicado no mesmo ano que “Rei Lear e Macbeth”, do maior dramaturgo de todos os tempos, Shakespeare.

Desde então, Dom Quixote e Pança continuam sendo referência de afeição e amizade, tal qual Debi & Loide (1994), dos irmãos Farrely, e Vladimir e Estragon em “Esperando Godot”, do irlandês Samuel Beckett. Um épico cômico, em verso e prosa, que merece ser reverberado eternamente, principalmente pela grandeza que carrega.

A criatividade pipoca… é Pink Floyd, é Sancho Pança, são pés que falam, tudo fala, tudo seduz. Um verdadeiro tsunami na dramaturgia! O texto provocativo permite concluir que todos podem ser Dom Quixote, com diversas histórias para contar, todos inexatos e também exatos seres existentes.

O SESC São Paulo ao trazer esse espetáculo não imaginou que estaria presenteando toda população, já cansada, sem forças e indignada.

É a arte brasileira apoiada pelo SESC que por meio de obras como “O incansável Dom Quixote” leva o público a risos e lágrimas, e mesmo que não mais existam códigos de cavalaria, a obra de 400 anos resiste e arranca suspiros e aplausos da plateia.

Vida longa ao SESC, a Maksin, à memória de Miguel Cervantes e ao público que aplaude e prestigia, razão da resistência teatral, foco de todo artista!

O INCANSÁVEL DOM QUIXOTE

On-line e gratuito

Classificação 12 anos
Assista: https://www.youtube.com/watch?v=ij9F2_ZdEZU&t=1738s

FICHA TÉCNICA

Direção de produção, dramaturgia e atuação: Maksin Oliveira
Direção cênica e caracterização: Reinaldo Dutra
Direção de fotografia: Pedro Struchiner
Figurino: Leonam Thurler
Cenário: Magnífica Trupe de Variedades
Iluminação: Pedro Struchiner
Fotografias: João Julio Mello
Sonoplastia: Maksin Oliveira e Reinaldo Dutra
Realização: Roda Produtiva

Fotos João Julio Mello