As inovações do teatro pandêmico são inúmeras, mas Rodrigo Portella, dessa vez, superou a criatividade excêntrica do jovem artista e mostrou toda sua expertise. Impossível não dar relevância ao seu trabalho de direção. Cada passo, cada artista em cena, cada filmagem, cada ângulo, tudo muito bem-vindo.
As expressões corporais e faciais são imensas e os artistas parecem estar na mesma sintonia. Isso fica em evidência ao assistir aos dez artistas em cena. As performances são lindas e prósperas, capazes de enfeitiçar.
A idealização do projeto também pertence ao Rodrigo. Vinte quatro vídeos estão disponíveis na Oi Futuro e contam a história de uma família que parece estar mergulhada em disfunções. Incrível. A obra exige interação por parte dos espectadores, pois cada um é que escolhe quais os caminhos que o espetáculo irá tomar e por mais que haja dinamismo, não se perde o fio da meada e a atenção nas narrativas, pela destreza dos artistas em tela.
São espaços unitários, cada espectador assiste ao seu capítulo sozinho, às vezes em um banco, às vezes em pé. Tem vídeos que são menores.
A Oi Futuro oferece protetores auriculares descartáveis, o que deixa o ouvinte mais confortável. Os espaços também são arejados, um verdadeiro labirinto, com telas que aguardam você e sua escolha.
As dramaturgias apresentadas podem se encontrar ou não, tudo dependerá da vontade de cada um assistir a cada cena oferecida. A obra transcorre com uma trilha sonora visceral, que pertence, obviamente, ao profissional Federico Puppi, que tem se mostrado um dos melhores da área, se não for o melhor. Fato!
Apesar de linda, a obra causa expectativas, ao conectar a plateia ao espetáculo. A trilha estimula sensações, todas as sensações! Puppi tem mesmo o dom de hipnotizar e deslumbrar a todos. Não existem palavras ao que é tão tocante ao âmago do ser humano. Ele não erra, tem magnitude em tudo que faz. Músicas saem dele, como o ar que respira.
Existem artistas que muitas vezes não ficam bem em algumas composições, não é o caso de Federico, sempre perfeito e digno de muitas palmas pela belíssima execução.
Quem assina a direção de arte é a inovadora Julia Deccape, com algo “clean” e ‘nonsense’ simultaneamente. Detalhes chamam a atenção. Geladeira, que ao abrir, mostra inúmeras peças repetidas, um momento carregado de suspense.
As cores são leves, os olhos se adaptam bem e se casam perfeitamente com o figurino elaborado por Valéria Stefan, tudo muito bem sintonizado. O texto tem em seu histórico essas passagens, por abordar questões encontradas em quase todos os seios familiares, ainda que disfarçadas.
“Com mais de 20 prêmios, é uma das obras mais laureadas do Teatro Croata — estreou em 2011, quando Martinić tinha 27 anos —, incluindo o Golden Laurel Award, no Festival MESS em Sarajevo, a Associação Croata de Artistas Dramáticos e o Prêmio Marul. Tornou-se um fenômeno mundial, traduzida para Espanhol, Alemão, Italiano, Francês, Inglês, Esloveno e agora, para o Português.”
“Branko (Felipe Frazão) está fazendo 25 anos. Ele tem uma doença degenerativa que aos poucos foi tornando-o dependente da cadeira de rodas. Sua mãe, Mia (Simone Mazzer), está preparando uma festa de aniversário enquanto tenta aceitar que Branko não anda mais. Uma radiografia poética e bem humorada das complexas relações de uma família que tenta seguir, mas que parece emperrada em suas próprias memórias.” (Sinopse)
A constelação do elenco é lindíssima, atua como ondas, às vezes, mansas, outras mais altas e fortes, tombando aos que assistem, tamanha a façanha desempenhada por cada uma dessas estrelas.
Simone Mazzer, dizer que não existem palavras para a atriz seria uma covardia. Ela merece inúmeras palavras sobre seu trabalho. Está perfeita! Sua personagem atropela, sem piedade, os amantes do teatro. Mesmo sendo em novo formato e linguagem, Simone vem como um concorde, cheia de força, revigorada, imensa e centenas de outros elogios caberiam nesta resenha. Digna de prêmios da mais alta relevância do Teatro. Ela se desconstrói em cena e cria uma personagem rica, mesmo sem vaidade, e remonta “Mia”. Uma mulher sem atrativos, no entanto, capaz de levar a plateia ao céu com a tamanha percepção e generosidade doadas à mãe de Branko. Um esculacho de interpretação, uma fúria performática, mesmo essa sendo reservada.
Certamente, um dos melhores trabalhos de Simone. A maturidade parece pousar sobre ela, sobre seus olhares. Ela causa empatia imediata em qualquer espectador. Simone leva todos a entenderem o que é ser uma atriz em sua plenitude. Eternas palmas, principalmente quando ela recita: “Meu filho só anda um pouco mais lento” e esmiuça qualquer coração.
Elisa, a Lucinda, ao contrário de Mazzer, convida a todos a querer socá-la, quebrar a fuça de uma dondoca enjoada, esnobe. Uma perua irritante. E como sempre, Lucinda é assertiva, nada desproporcional ao que lhe foi entregue. Faz rir e odiar, é de se encantar com tamanha força cênica. A Rita, sua personagem, é intrigante e impiedosa. Ela faz o texto se acoplar a montagem da sua personagem, com um alinhamento esplendoroso, que deixa a plateia bestificada. Os olhares, as interpretações são fidedignas ao propósito de Rita. Elisa merece prêmio também por essa personagem. Sua voz impulsiva, bem encaixada e expressões corporais condizentes com o texto são de fazer levitar todos que a assistem.
Para Enrique Diaz, basta estar na tela, ou em qualquer espaço artístico, para que saibamos tratar-se de uma obra boa. Ele no espetáculo não fala tanto, ocupa um lugar de submissão, diante de sua esposa Rita, mas o faz com magnitude. Ele também é um dos atores, que entende sua função, não precisa grande esforço para executar seu trabalho com a precisão de uma águia.
Gabriel Hypóllito, apesar de jovem, ocupa seu espaço, como sempre simpático e agregador. O artista parece saber entrar em cena e dividi-las, ele conquista o público. Um soul que pertence a sua negritude e combina com ele, que interpreta Tim, um personagem risonho, e Hipóllito tem um sorriso cativante, de dentro para fora, espontâneo, sabe se expressar bem, assisti-lo é satisfatório, seja no papel que for. Sempre belo!
Maria Esmeralda Forte, forte como o próprio nome anuncia! Se sofre de Alzheimer? É possível. A atriz, ou a personagem Ana? Ela o faz com tanta imponência, que fica difícil saber se é encenação!
Camila Moura, Felipe Frazão e Verônica Rocha são frescores artísticos. Leves e joviais, como flores de setembro, primaveris. Dão cores às telas e mais que isso, constroem cenas encantadoras. Impossível não se questionar se Felipe é portador de deficiência, porque sua performance é perfeita.
Antonio Pitanga construiu bem seu personagem, bem reservado. Leandro Santanna também segue na mesma linha.
Todos bem dirigidos e conectados, não tinha como não acertar, jogam no mesmo time, parece ser a fórmula de Rodrigo Portella, sua capacidade de unificar o elenco. Parecem células, coesas, juntas para realizar uma determinada função. Que no que lhes concerne, se reúnem e formam órgãos, que formam sistemas e trabalham em prol de um mesmo objetivo. Por fim, os sistemas trabalham juntos, para formar o organismo. É isso que se vê no espetáculo, coesão, energia simbiótica. Um espetáculo lindo e sofisticado, além de inovador e tendencioso a tocar a alma de quem o assiste.
MEU FILHO SÓ ANDA UM POUCO MAIS LENTO
Temporada até 10/10
OI FUTURO
Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo
Classificação indicativa 14 anos
Informações: (21) 3131-3060
Horários de visitação: 4ª a domingo (incluindo feriados) de 12h às 13h30, de 14h às 15h30 e de 16h às 18h
Entrada gratuita mediante agendamento pelo site https://oifuturo.org.br/agendamentocentrocultural/
FICHA TÉCNICA
Idealização, roteiro e direção geral: Rodrigo Portella
A partir da peça homônima de Ivor Martinić
Interlocução artística: Julia Deccache
Fotografia e montagem: Pedro Murad
Coordenação geral do projeto: Cláudia Marques
Elenco/personagem:
Simone Mazzer/Mia
Felipe Frazão/Branko
Elisa Lucinda/Rita
Maria Esmeralda Forte/Ana
Camila Moura/ Doris
Verônica Rocha/Sara
Antônio Pitanga/Oliver
Enrique Diaz/Michael
Leandro Santanna/Roberto
Gabriel Hypollito/Tim
Tradução:
Croata para Espanhol: Nikolina Židek
Espanhol para Português: Celso Curi
Direção de arte: Julia Deccache
Trilha sonora original: Federico Puppi
Colaboração para trilha sonora: Marcelo H
Música “Let’s die together”: composição de Milla Fernandez e Federico Puppi
Som direto e mixagem: Tiago Picado
Figurino: Valéria Stefan
Visagismo e maquiagem: Diego Nardes
Iluminação: Leandro Barreto
Direção de fotografia aérea: Roberto Tascheri
Assistente de direção: Anaxi Altamiranda
Assistente de câmera: Felipe Carvalho
Assistente de edição: Luiza Castagna
Assistente de iluminação: Wesley Torquato
Assistente de figurino: Mariana Fernandes
Assistente de visagismo e cabeleireiro: Lucas Souza
Camareira: Maria Helena Ferreira
Assessoria de imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
Projeto gráfico: Felipe Braga
Fotos e vídeos / still: Daniel Barboza e Anaxi Studio
Redes sociais: Breno Motta
Tráfego de redes sociais: Gabriela Saboya e Rodrigo Gonzaga
Coordenação técnica (galerias): Hugo da Matta e José Luiz Junior
Cenotécnico: André Sales
Contrarregra: Marcio Gomes
Pintura de arte: Carla Ferraz
Equipe de montagem cenário: Jayro Botelho, Renato Darin e Juliana Moreira
Produtor executivo: Rafael Lydio
Produção de set: Rogério Garcia
Transporte: Fernanda Prates
Alimentação: Cezarin Sabor e Saúde
Coordenação administrativa / prestação de contas: Fomenta Consultoria
Direção de produção: Claudia Marques
Realização: Fábrica de Eventos