Medeia ou Consuelo de Castro?

Além da expectativa latente para a estreia de Medeia por Consuelo de Castro, também há uma cena quente entre personagens logo no início do audiovisual, impactante e provocativa, mas acima de tudo, bela.

Bete Coelho inicia uma narrativa linda, a Medeia e suas lamentações mergulhadas em ira. Impossível não se impressionar com o olhar, literalmente técnico do cinema-teatro da atriz. Bete carrega a exatidão necessária ao protagonismo que encena, existe exímia qualificação para interpretar grandes personagens, assim também foi em “Mãe Coragem”, de Brecht, encenada no Sesc ao vivo.

O teatro épico muito bem representado. O épico que apresenta heroísmos, idealismos e intelectualidade pouco anestésica, também estão presentes em Medeia.

A fotografia da obra é de um primor, que beira o inesquecível.
A atriz Michele Matalon duela, com divina riqueza, com Bete Coelho, em sua primeira aparição junto ao elenco, na realidade, não se pode distinguir atriz e personagem nesse momento, a fúria de representar as tomam sem nenhum dissabor, impecáveis. Irretocáveis.

A filmagem em preto e branco traduz bem a tragédia grega. No entanto, mesmo podendo ser comparado a um clássico, a câmera usa das atuais ferramentas para um vídeo mais compreensível, percebe-se a retirada do foco para uma das personagens.

Imenso profissionalismo e sensibilidade, pois a adaptação precisa ser feita dentro do proposto. Apsirto (Matheus Campos) e Medeia também se encontram durante o espetáculo, o ator tem talento de sobra e compõe seu personagem sem grande dificuldade, perceptível aos olhos de quem o assiste.

Se de um lado o figurino remete propriamente a época, Medeia entre as atrizes, temos um Jasão e um Creonte em trajes contemporâneos, que chama muito a atenção, não só pela beleza, mas pela harmonia da cena. Jasão e Creonte parecem nascidos nesta geração, pode-se até dizer que não tão distantes dos governantes brasileiros, afinal golpes de Estado e má índole não faltam no Planalto Central.

Roberto Audio, como Creonte, desperta sentimentos angustiantes diante de sua narrativa. Luiza Corvo empresta sua partitura corporal com devoção ao assumir Glauce, filha do Rei Creonte, em Corinto. É de se espantar sua encarnação.

A linguagem tirana, autoritária e atual, foi muitíssimo bem empregada no texto. A dramaturgia de Consuelo de Castro não poderia ser diferente, diante do cenário atual, falar em Consuelo é ter o cuidado de sempre lembrar quem ela é. Falar de Consuelo é relembrar que a dramaturga faz parte de uma geração, que escreve com veemência o inconformismo, é lembrar de uma dramaturga, que se destacou com precisão e brilhantismo durante a ditadura, agora, ela ressurge em uma época que ressuscita lembranças. Descodificando seu olhar como mulher para a trágica e velha Medeia.

É o teatro atravessando a história, por intermédio da dramaturgia viva, é o que se vê em Medeia, pela gigante Cia. BR116, que comemora dez anos de existência.

A mitologia reencarna em 2021 com uma potência visceral para todas as análises.

Creonte e Medeia juntos em cena, merecem aplausos antes do término do espetáculo, no momento avassalador em que o rei se deleita intempestivamente diante da entidade em seus próprios toques. Amadurecimento cênico de um diretor, que permitiu seu mais assertivo devaneio teatral, salve Gabriel Fernandes!

O vestido envenenado, presente de Medeia para Glauce, merece uma menção, foi mais uma das belezas desse espetáculo, que maravilhoso trabalho executado pelo figurinista.

O espetáculo de Eurípedes, o poeta trágico grego, finda com uma estética ímpar, não somente por encenações belíssimas de Bete e Flavio Rocha (Jasão), mas também pela estética, que os enquadramentos visuais permitem, e por ser a obra escrita pela inquietação intrínseca de Consuelo Castro.

Novo projeto de audiovisual da companhia estreia no canal do Youtube da Cia BR.116, no dia 7 de fevereiro às 20h e segue em temporada até 12 de março, de quarta a sábado às 20h e domingo às 18h.

MEDEIA

Assista: https://www.youtube.com/watch?v=SvYp5E20570
Temporada até 12/3
Quarta a sábado, 20h
Domingos, 18h
Ingressos gratuitos
Legenda descritiva disponível.

FICHA TÉCNICA

DIREÇÃO
Gabriel Fernandes
Bete Coelho

ELENCO
Medeia – Bete Coelho
Jasão – Flavio Rochaa
Creonte – Roberto Audio
Ama – Michele Matalon
Glauce – Luiza Curvo
Apsirto – Matheus Campos

Texto: Consuelo de Castro
Direção: Gabriel Fernandes e Bete Coelho
Elenco: Bete Coelho, Luiza Curvo, Michele Matalon, Roberto Audio,
Flavio Rochaa e Matheus Campos.
Fotografia: Gabriel Fernandes
Consultor de fotografia: Inti Briones
Operadora de luz: Sarah Salgado
Direção de Arte, Cenografia e Figurino: Cassio Brasil
Assistente de Direção: Theo Moraes
Assistente de cenografia e cenotécnico: Murillo Carraro
Câmera: Cacá Bernardes e Gabriel Fernandes
Edição: Gabriel Fernandes
Finalização: Bruna Lessa
Direção Musical: Felipe Antunes
Assistente de Direção Musical: Fábio Sá
Músicos: Fabio Sá, Felipe Antunes, Otavio Carvalho, Allan Abbadia,
Guilherme Held, Marcelo Bonin, Sergio Machado, Victória dos Santos e
Wanessa Dourado
Música Original: Felipe Antunes e Fábio Sá
Voz na canção final: Tulipa Ruiz
Som direto: Carina Iglecias
Finalização de áudio: Otavio Carvalho
Diretor de Set: Murillo Carraro
Projeções: Ivan Augusto Soares
Assistentes de projeção: Igor Marotti e Kael Studart
Técnico de Iluminação: Alexandre Simão de Paula
Confecção do esqueleto: Walkir Pedroso
Caracterização Creonte: Gabi Moraes
Produtora de figurino: Patrícia Sayuri Sato
Costureiras: Salete Paiva e Keila Santos
Diretor de Comunicação: Mauricio Magalhães
Estratégia Digital: Fabio Polido e Rodrigo Avelar
Programação visual: Celso Longo _ CLDT
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Foto Still: Roberto Audio
Assessoria jurídica: Olivieri Associados
Tradução para o inglês e espanhol: Marcos Renaux
Produção em Pernambuco:
Câmera e fotografia: Tarsio Oliveira
Atriz: Mikaely Menino
Co-produção: Oficinas Culturais Oswald de Andrade
Direção de Produção: Lindsay Castro Lima e Mariana Mantovani
Realização: Cia BR116