Os recentes acontecimentos e discussões que vem tomando espaço na internet a partir de um reality e das expulsões ocorridas no programa me conduziram a esta reflexão sobre importunação sexual. Talvez porque no meio dos aspectos perigosos da rede, no que diz respeito aos julgamentos, ou melhor, cancelamentos de pessoas, existe e é de fato uma característica da rede social, uma disposição favorável ao alarde, ao alcance em massa e heterogêneo de pessoas dos mais variados estratos sociais.
Ao exibir as cenas da importunação, o programa foi enaltecido e igualmente recriminado pelo que muitos afirmavam ser uma exposição excessiva da vítima. Lamento que ainda tenhamos esse tipo de pudor. É necessário mostrar o que acontece por uma simples razão, o ocorrido na ocasião da festa do reality não é uma exceção ao que, recorrentemente, acontece no dia a dia de mulheres e de homens (em menor escala, é claro). Talvez porque o machismo estrutural, aquele que nos é ensinado renitentemente a homens e mulheres tenha considerado “natural” esse tipo de importunação.
Para, além disso, ele se travestiu da maneira mais covarde possível que é ensinando à mulher a arte de subjugar seu desejo, demonstrando um “não querer” necessário à preservação de sua imagem. Como se o desejo feminino, livre em sua expressão e liberto dos prazos e aparentes comportamentos ensaiados, não pudesse ser manifestado sem atingir a reputação feminina. E aos homens o mesmo machismo estrutural ensinou que a negativa feminina é um disfarce da real vontade. E nesse meio, o “sim” deixou de ser dito como “sim” e o “não” deixou de ser “não”. Vale ressaltar que apesar de frisar o binômio sim/não, não apenas palavras podem exprimir o sentimento e a vontade. O corpo fala, já diziam Pierre Weil e Roland Tompakow em seu livro, que por sinal super indico. Nas imagens explicitadas é notório perceber isso, nos movimentos da visitante mexicana.
A reflexão a ser feita a princípio seria “Importunação sexual, quem não sofreu?”, mas depois do episódio em questão me ocorreu que o processo de importunação sexual está tão normalizado que é importante perguntar só “Quem não?” na esperança de que esse questionamento possa ser feito pelos que sofreram e, sobretudo pelos que fizeram.
Por isso, ratifico que as imagens são necessárias, por mais que seja um momento doloroso, e apesar da vítima ter demorado a reconhecer a dor da importunação de tanto que somos adestradas em níveis de autodefesa. A mesma restrição submetida à mulher em exercer sua sexualidade aparece no mesmo grau em que deve restringir seu incômodo. Talvez por essa razão, você, eu e tantas outras mulheres, com certeza protagonizamos cenas como as que foram ao ar.
Necessário expulsar os jogadores do reality, sim! Por mais que eu torcesse por eles. Porque os homens também não se dão conta muitas vezes, desse processo estruturado que é o machismo. Claro, que existe o contrário, aliás, enquanto escrevo esta matéria vejo uma chamada na TV sobre importunação sexual em homens. Aliás, vou além, o homem igualmente é ensinado a passar por cima de suas vontades e demonstrar sempre ser predador em nome de garantir sua aparência de virilidade e masculinidade. Permitam-me ser solidária a vocês homens: não fiquem com ninguém que não queiram.
O homem tem que lutar também pelo seu direito a dizer Não é Não! Impossível não relacionar o quanto esse processo pode prejudicar os relacionamentos, será que se houvesse uma compreensão e respeito pela vontade alheia, teríamos os mesmos índices de violência doméstica e feminicídios? Em suma, mulheres e homens podem dizer SIM ou NÃO. Mas, ambos têm que entender, de uma vez por todas, que SIM é SIM e NÃO é NÃO!