Festa com os amigos, muitos copos na mesa. A cena da felicidade está armada. Saio para ir ao banheiro e quando volto não sei mais qual é meu copo. Neste momento da noite, ninguém sabia de mais nada. Poderia pegar outro, mas a bebida que estava no meu era boa demais – ou pelo menos parecia ser. Fui colocando a mão em alguns dos recipientes cheios de bebidas alcoólicas até que a magia aconteceu: encosto no meu copo e sinto que é o meu. Certeza absoluta. Inquestionável. Verdade pétrea.
Nem a ciência e nem as religiões explicam esse fenômeno. A gente encosta no objeto e ele toca nossa alma. Naquele dia, senti que era meu copo. Mas essa situação se repetiu incontáveis vezes. Com copos e outros objetos.
Me lembro muito bem dos meus tempos de moleque quando íamos jogar bola e todos tiravam os chinelos – se arrebentasse, era arrebentado no esporro em casa – e quando a pelada acabava ninguém sabia mais qual era o seu calçado. O jeito era ir colocando nos pés, como Cinderelas, até sentir: esse é o meu. O chinelo poderia ser do mesmo tamanho do seu, mas se não fosse o seu, não encaixava bem no pé. Óbvio que isso não impedia que voltássemos para casa com um pé de cada pessoa. Acontecia às vezes. Mas era mais comum a precisão entre pé e pisante.
Outro dia, fui para a aula de contrabaixo sem o meu baixo. O professor falou que eu poderia usar o dele. Quando fui tocar senti que não estava fluindo muito bem. Era o mesmo modelo, tamanho, peso. Nem a ciência e nem as religiões explicam esse fenômeno. A gente encosta no objeto e ele toca nossa alma. Aconteceu também com o instrumento musical.
Quando eu era criança, na época do futebol descalço nas ruas, eu imaginava que alguns objetos ganhavam vida quando não estávamos olhando. Muito além do Toy Story. Na minha cabeça, geladeira era um cara grandão e forte, quadros de parede eram pessoas faladeiras, sabonetes vendedoras de perfume. Talvez, eu tenha essa impressão da conexão humana com objetos por conta disso. Talvez não. Nem a ciência e nem as religiões explicam esse fenômeno.
No entanto, já fiz uma pesquisa informal e detectei que muitas pessoas têm essa mesma sensação que eu, quando entram em contato com objetos que geram conexão conosco. Não estou sozinho nessa. De repente, até os objetos estão comigo nessa. Quero ver a ciência e as religiões explicarem isso também.