Certa vez li isto em algum lugar: “Para envelhecer bem, é preciso ter vivido bem.” Quando li, confesso que não estava muito preocupada com o assunto, nem sequer havia feito qualquer reflexão a esse respeito, dentro de um corpinho ‘leve’ — em todos os sentidos que cabem a palavra — se é que me entendem — por volta dos dezoito anos, a cabeça está bem ‘leve’ também. Sem filhos, sem compromisso, sem contas, sem o peso real da vida adulta.
Talvez dos vinte aos trinta, a vida tenha começado a ganhar nova configuração, independentemente das escolhas que se tenha feito. É uma etapa em que muitas coisas maravilhosas acontecem na sua vida: você se apaixona, casa, tem filhos, termina a faculdade, consegue seu primeiro emprego, compra seu primeiro carro usado. Uma época tão contagiante, — inebriante mesmo — e você nem se dá conta que lá se passaram dez anos… a maioria de seus amigos mudaram, seus interesses também.
É nessa década que a cabeça já não fica mais tão leve. Filhos e relacionamentos são opção, mas, contas, trabalho, rotina e problemas, são agora parte do seu cotidiano e de qualquer ser humano, assalariado, que leve uma vida minimamente estável, minimamente normal e minimamente confortável. — Não muito confortável mais, está a sua calça jeans favorita! E você começa a ver o tempo passar de fato, porque as crianças cresceram, e elas crescem rápido demais. Seus afazeres, responsabilidades, preocupações, por muitos anos atropelam você, que nem as férias são capazes de fazê-lo lembrar-se jovem.
E muito de repente, você faz quarenta. A probabilidade de sair dos “enta” — e viver mais algumas décadas — é muito remota, e você acredita tanto nisso, que demora a se acostumar com a nova condição. Um jovem de quarenta anos. E esta próxima década, parece ainda mais desafiadora do que a anterior. Acredite, ela é. O espelho deflagra seu primeiro cabelo branco, surgem marcas de expressão, e, algumas vezes, você busca no brilho do olhar cansado: você.
Entretanto, é a fase das compensações, você se permite mais, já seleciona suas companhias e seus vinhos, prefere um prato à la carte a um buffet a quilo, não faz academia porque gosta, mas porque precisa — ou faz yoga para equilibrar os conflitos externos com os internos, ou procura um psicanalista — ao menos já está convencido de que a maturidade, em muitas e incontáveis situações, lhe favorece. Mas, não lhe basta.
Você anseia viver mais e segue vivendo, do jeito que dá. Em dias otimistas, você vive um pouco mais a cada dia. Em dias pessimistas, você morre um pouco mais a cada dia. E dos quarenta aos cinquenta, você espera ter tempo e condições de aproveitar as coisas boas que a vida oferece, realizar os sonhos que adiou quando tinha trinta… Então, muitas vezes, percebe que tem saúde, mas não tem dinheiro suficiente. Ainda não quitou o financiamento da casa própria, os filhos ainda não concluíram a faculdade e precisam de apoio. O fadado tempo continua curto. A aposentadoria ainda demorará a chegar (se chegar).
Você fica mais emotivo e se comove a cada conquista dos filhos. Vibra também quando faz seus exames anuais e está ileso de qualquer doença. É a década mais nostálgica, porque provavelmente os filhos se casam, ou se independem, e a maioria dos pais se vão. E a história se repete…
Você agora tem netos, cabelos brancos e já não lê sem os óculos. Dos cinquenta aos sessenta, muito provavelmente, sua maior alegria é ser chamado de vovô, ou vovó. E ver naquelas ingênuas criaturas, ‘tão suas’, a maior explicação que pode haver de ‘eternidade’ e se vê eternizado nelas. É dentro daqueles olhinhos risonhos que você se busca agora.
Uma nova fase na vida, um inédito aprendizado. Você assume novo papel. Mais uma vez, a vida muda suas configurações e seus (pre)conceitos. Finalmente, você se aposenta. Agora, o tempo é livre para viver intensamente filhos e netos, amigos, planos e sonhos. Dos sessenta aos setenta, já engavetou muitos planos, que não fazem mais sentido, e fez outros. Sua coluna dói, a sua experiência deixou você mais complacente e menos paciente. Mas, mesmo assim, você não deseja fazer nada com pressa e nem tem mais tantos amigos.
“Envelhecer é uma arte” e você começa a envelhecer desde o dia que nasce. Mas envelhecer, ainda é a única maneira que se descobriu de se viver muito tempo. Então, seu espelho reflete um sorriso sincero e grato, de quem viveu bem, cada dia da vida, os fáceis e os difíceis. Porque talvez, ao longo dessa caminhada, não tenha parado de viver, para refletir a tal frase… — qual era mesmo a frase?