Da janela lateral

A janela está para o cronista como a paisagem está para o pintor. Em tempos
de isolamento social, o cronista das ruas se sente isolado. A janela, que
sempre tem tanto a dizer, se torna a maior fonte. A vida, ainda que tímida,
se expõe por completo nela. Salta à vista a vida. Aos olhos, que são a
janela da alma.

Da minha janela, diferentemente da vista que tiveram Lô Borges e Fernando
Brant para fazer a música referenciada no título desta crônica, não vejo
igreja nem sinal de glória. Contudo, vejo voos pássaros e muitos sinais na
mangueira cujos galhos quase tocam meu terceiro andar.

Vejo, também, no prédio em frente um casal que toma cerveja na varanda.
Eles dividem o mesmo copo e compartilham beijos. Estão felizes. Amor é
cura.

Da casa ao lado, pouco vejo e muito ouço. Crianças barulhentas. Não vou
reclamar. Poderia ser bem pior. Eles devem achar o mesmo de mim quando
coloco minha eclética playlist para tocar, ou quando ligo um instrumento
musical na caixa de som. Há de relevar. A música, sempre companheira, está
salvando muita gente do silencioso isolamento social.

Na rua, pessoas. Com ou sem necessidade de estarem ali. Máscaras e mais
máscaras. Os olhos são de preocupação e não poderiam mesmo ser outros.

Olhando para a diagonal, à direita, vejo um moleque na janela, observando
tudo e ao mesmo tempo nada, com aquele olhar perdido que só a analise
profunda pode conceder. No que pensa aquele moleque?

Em dado momento, as minhas observações e as do moleque se cruzam. Lembrei
da crônica do Mário Prata, que fala sobre o dia que ele ganhou um binóculo
e passou a olhar a vizinhança, descobrindo um adolescente que usava uma
luneta apontada para sua casa. Mario termina o texto (“Binóculo”) dizendo
que o jovem vai ser cronista quando crescer.

Será que esse moleque que eu vi vai ser cronista, também? Das ruas, no
momento, está complicado. Mas as janelas estão aí, paisagens abertas para
as inspirações e aspirações.