Quem nunca desejou ter, ou pelo menos passar uma estada numa “casa de praia”? Embora haja quem prefira a montanha, a praia sem dúvida é um espaço natural muito convidativo. Ora, mas o que estou eu fazendo ao iniciar esta matéria falando de praia? Teria errado o título? Calma, relaxem, é isto mesmo: “Casa de rio”.
Deixe-me introduzi-los ao tema então. Sou estudante de museologia e no período passado encontrei-me com uma disciplina um tanto o quanto curiosa: fundamentos da geologia e da paleontologia. E foi durante este curso que tive acesso a um documentário sobre o rio Paraíba do Sul. Nele, escutei um líder comunitário do MST, representando o povo ribeirinho local, verbalizar: “água é vida”.
Ao longo desta aula, fui despertada para uma realidade que até então não percebia: o privilégio que damos ao mar em comparação aos rios que o formam! Durante este exercício feito em sala, pude constatar um simples e revelador traço arquitetônico, muito recorrente nas casas dispostas às margens dos rios, pelo menos no ambiente mais urbano, uma vez que o rio em questão atravessa cidades populosas e industrialmente desenvolvidas.
Muitas casas são construídas bem à beira do rio, todavia de costas para o mesmo. Se fizermos uma rasa comparação com as anteriormente mencionadas “casas de praia” o oposto prevalece. É uma honra poder parar numa varanda de frente para o mar, seja para apreciar o amanhecer ou o entardecer. Mas não seria igualmente prazeroso observar a cena de uma perspectiva fluvial?
Este tema me aguçou a curiosidade e segui pesquisando. Talvez por ter tido um forte vínculo com a cidade imperial, Petrópolis, local inclusive, onde meus filhos nasceram, ou ainda pelo fascínio que tenho em comparar o Rio antigo com o atual, sobretudo após as reformas promovidas pelo prefeito Pereira Passos no início do século XX.
Em meio a estas “navegações” encontrei curiosidades que me fizeram ir ao encontro da fala do pesquisador que nos apresentou o documentário sobre o Rio Paraíba do Sul: falta uma educação ambiental efetiva e políticas públicas que a legitimem. A fim de compartilhar com vocês trarei a seguir alguns dados coletados. Retomando as casas de costas para as margens dos rios, observei inúmeras vezes que as mesmas não respeitam a preservação das “matas ciliares”… Não se assuste! Eu também não sabia o significado do termo! Este é o nome dado à vegetação que existe nas proximidades de cursos d’água, e creiam o nome advém da comparação da função das matas em relação aos rios e dos cílios em relação aos nossos olhos, ou seja, proteger.
Não sendo suficiente construir a edificação de costas, na maioria das vezes se explora até o limite a margem, como se o rio não fosse de fato o “dono” dela. Fui absolutamente remetida às casas ribeirinhas nos distritos de Petrópolis, e qual não foi meu espanto ao encontrar um estudo da UFRJ que pode ser feito porque o planejamento urbano foi estabelecido por um decreto imperial oferecendo os dados originais dos rios quanto à extensão do curso e das distâncias entre margens e a gravidade das alterações realizadas nos últimos 170 anos.
De acordo com os documentos cartográficos históricos estudados, os rios petropolitanos pertencentes às bacias Quitandinha, Palatino e Piabanha, foram “estrangulados”, ilhas fluviais deixaram de existir, assim como 56% da cobertura vegetal, leia-se: mata ciliar. Partindo dessa premissa, fica impossível dentre outros fatores não arrolar estas modificações na natureza como possível justificativa para as frequentes enchentes no entorno dos rios das bacias acima. Não obstante o tamanho da surpresa que tive ao ler o conteúdo sobre a rede fluvial petropolitana, decidi seguir nas buscas a fim de saciar minhas curiosidades quanto ao Rio de Janeiro.
Ao ler sobre a reforma de ponta a ponta realizada pelo prefeito que mencionei, procurei dentre tantas alternativas destacar uma informação que fizesse sentido para minha existência. Deparei-me com o Rio Carioca, que nasce nos pés do Cristo Redentor e atravessa bairros como Cosme Velho, Laranjeiras e Flamengo. Fiquei atônita! Nasci nas Laranjeiras, fui criada no Flamengo, como não conhecia este rio? É caros leitores, ele existe, hoje em dia só aparece em sua cabeceira, em um pequeno pedaço no Largo do Boticário e em trechos do caminho do trem que leva ao Corcovado, deságua na estação de tratamento de esgoto localizada na praia do Flamengo. Este rio forneceu água potável à cidade durante anos, tendo corrido inclusive pelo aqueduto que hoje é os Arcos da Lapa. Segundo o engenheiro responsável, ele havia perdido a função ao receber excesso de dejetos e ser tratado como local de descarte sanitário.
É… Faz tempo que precisamos de educação ambiental. Os rios poluídos desvalorizam esta riqueza natural. Somente com uma educação ambiental que vise valorar a importância fluvial, os recursos hídricos existentes, como fauna e flora será possível repensar nossa relação com a “Casa do rio”, não para desprezar a “Casa de praia”, e sim para reconhecer a relevância do sistema fluvial da nascente ao mar. Estamos num mundo sistêmico e precisamos cada vez mais compreender que cada parte é um pedaço do todo.