Carol Chalita matou Sherazade

Uma obra imperdível. O audiovisual foi executado sobre olhares ávidos. São quase cinquenta minutos de espetáculo, bem enxugado, sendo suficiente para os quarentenados. O texto é da poetisa e jornalista libanesa Joumana Haddad. Considerada corajosa pelo ganhador do prêmio Nobel de Literatura Mário Vargas Llosa. Impossível discordar!

Quem é Joumana? É uma mulher que fala sobre masturbação elegantemente, a mesma mulher que também recomenda esse “voo solo”. Fantástico!

Quem é Joumana? É uma das cem mulheres mais importantes do mundo, uma libanesa que revela sua fúria contra a cultura esmagadora do país em que vive.
Além de “Eu Matei Sherazede”, ela também tem vários livros editados, um programa de televisão na Líbia, é defensora dos direitos da mulher e da comunidade LGBTQIA+.
Foi eleita pelo parlamento, mas não pode assumir por ser mulher! Essa é Joumana!

O que esperar além de um tsunami em formato de texto teatral desconstruindo a lendária rainha persa e narradora dos clássicos contos de “As Mil e uma Noites”?

Uma sequência de desigualdades que se escondiam por detrás dos véus, descobertas e expostas. Da mutilação da mulher à defloração de meninas aos nove anos! Absurdos inconcebíveis para as mulheres ocidentais.

E mesmo diante do que chamam cultura e tradição, a depravação nasce quando uma jornalista que expõe corpos de mulheres adultas em uma revista. Algo inaceitável para essa sociedade!

E fica descoberta a mulher libanesa embriagada de prazeres, de inteligência, de liberdade, de ideias e, principalmente, a rejeição de covardias cometidas contra seu gênero. Esse é o tema do espetáculo! 

O texto tem uma ousadia ímpar, por gritar a existência da mulher. Como ser uma escritora com toda liberdade de pensamentos em um país árabe? Essa é a personagem da solista e descendente árabe Carol Chalita. Notável o mergulho da atriz ao encontro da personagem. Ela parece ser a própria escritora.

O corpo de Carol baila com sutileza na frente da câmera, nuances de beleza. A voz mansa e absolutamente nada reprimida diante de um texto que não teme Alláh. Com o olhar expressivo e provocador, ela constrói com perfeição a sua Joumana. Em renúncia a posição que lhe é imposta, ela mata Sherazade e defende sua personagem da submissão aos homens.

Já foi o tempo e mulheres já não querem despistar o tempo contando histórias para evitar de serem estranguladas, é chegada a hora de contarem as suas próprias histórias, narrativas de liberdade, insubmissão, negação ao patriarcado e tantas outras. A sensação de estar planando em uma nuvem com imensas asas é dada às espectadoras dessa obra tão inquieta e encorajadora. E assim Joumana mata Sherazade e todas matam Sherazade.

E essa força é acolhida pelas excelentes escolhas musicais de Beto Lemos e pelo salguta — sons emitidos pelos homens nas guerras do tempo dos faraós também usado pelas mulheres árabes quando estão comemorando algo, ou estão felizes — executado com graciosidade pela atriz. A dramaturgia muito bem adaptada.

Mãos potentes auxiliaram Carol Chalita nessa caminhada, Vera Holtz e Clarice Niskie. A direção de Miwa Yanagizawa é irrepreensível. O que já era esperado para uma diretora premiada em 2020, por seu trabalho impecável e sem arranhões que trouxe Dostoiévski.

O figurino de Teresa Fournier é contemporâneo, fiel ao texto.

A cenografia assertiva em porta-retratos, abajures, escritas árabes e alguns objetos de cena bem colocados, o livro que se mistura ao obsceno e a descoberta do prazer, sem transgredir.
Tudo muito bem cerzido.

A humanidade anseia pela queda desses véus, que cerceiam todas as mulheres, em todo planeta, limitando seu potencial, reprimindo vontades, castrando, inibindo, desmoralizando, desacreditando, diminuindo, ridicularizando e humilhando. Aqui no Brasil, inclusive, as brasileiras seguem na árdua luta contra o machismo estrutural, enraizado na cultura patriarcal brasileira ainda tão presente e esmagadora, revelada por dados alarmantes de feminicídio e violência doméstica. As vozes femininas do mundo todo precisam unir-se em um só grito, por liberdade e corajosamente matar de vez Sherazade!

EU MATEI SHERAZADE

Ingresso gratuito até 26/4

Duração: 45min
Classificação: 14 anos
Gênero: biográfico

Assista no Youtube canal Carol Chalita:

https://www.youtube.com/watch?v=6vFOWiVgaBM&t=567s

FICHA TÉCNICA
Livre adaptação do livro de Joumana Haddad
Dramaturgia e roteiro: Carol Chalita e Miwa Yanagizawa
Idealização e atuação: Carol Chalita
Direção: Miwa Yanagizawa
Direção de fotografia: Elisa Mendes
Trilha sonora original: Beto Lemos  
Cenografia: Constanza de Córdova
Figurino: Teresa Fournier
Preparação corporal: Laura Samy
Cenotécnico: Hugo Alves
Técnico de luz: Rodrigo Maciel
Vídeo: Arthur Sarradine
Fotos: Vinicius Mochizuki
Programação visual: André Senna  
Assessoria de Imprensa: Berê Biachi – Equipe D Comunicação
Transmissão de vídeo e som: Filmart Media Content
Direção de produção: Luísa Barros
Produção executiva: Thaís Pinheiro
Realização: Bem Legal Produções e M.S. Documenta Produções Artísticas e Jornalísticas