Filme: PALM SPRINGS (2020/EUA)
O bem amarrado roteiro de Palm Springs mistura dois gêneros: a comédia romântica e o filme de viagem no tempo, mas especificamente o subgênero do time loop (o famoso “todo dia é o mesmo dia”, popularizado com o excelente Feitiço do tempo, dirigido por Harold Ramis em 1993, também ele uma comédia romântica). Depois do sucesso, o formato se espalhou, gerando uma série de filmes semelhantes: do thriller (12:01, Contra o tempo) ao terror (A morte te dá parabéns 1 e 2), além de uma inexplicável quantidade de filmes natalinos (Pete’s Christmas, Revivendo o Natal, Christmas Do-Over), o que indica que a noite de Natal é uma data particularmente estressante para muita gente. O subgênero se tornou tão popular que inclusive passou a ser utilizado em episódios de séries de TV (Arquivo X fez uso dessa estrutura narrativa em sua sexta temporada, num episódio intitulado “Segunda-feira”) e demonstrou ter fôlego para ao menos uma temporada inteira de série com Boneca russa.
Nos filmes de time loop, em geral algumas regras básicas se mantêm:
1) O dia repetido é um que particularmente desagrada ao protagonista por alguma razão específica (um aniversário, um dia em que algo extremo acontece ou só um dia muito tedioso);
2) O protagonista é a única pessoa presa neste vórtice de tempo e uma de suas dores é ter que reviver o mesmo exato período sozinho (isso é quebrado muito pontualmente no formato);
3) Quando o protagonista morre ou adormece, o dia retorna ao início (em alguns casos, isso também acontece num horário pré-determinado).
O elemento inovador trazido por Palm Springs é unir o casal de protagonistas no mesmo martírio: Nyles (Andy Samberg) e Sarah (Cristin Milioti) revivem o mesmo dia. É o casamento da irmã de Sarah, no qual Nyles é um convidado aleatório, sendo o namorado de uma das madrinhas (pelo menos por mais algumas horas). Quando Sarah segue Nyles, adentrando uma estranha caverna no deserto, ela começa a reviver o dia em que ele está preso há tanto tempo que nem se lembra mais dos detalhes de sua vida pregressa. A passividade extrema de Nyles, que simplesmente se resignou com a situação e se esforça apenas para fugir do rancor de Roy (um terceiro e vingativo looper, interpretado pelo frequentemente brilhante J. K. Simmons) se choca com o desespero de Sarah, que tem todos os motivos do mundo para não querer reviver eternamente o casamento da irmã mais nova. É a energia de Sarah e sua inteligência que vão salvar Nyles. Quando ela diz a ele com segurança: “Eu posso sobreviver perfeitamente bem sem você, mas há uma chance de que esta vida possa ser um pouco menos mundana com você”, temos a impressão de que finalmente o gênero da comédia romântica (tão adorável quanto frequentemente machista) começa a se atualizar minimamente, mesmo numa obra realizada por homens.
O filme é o primeiro longa-metragem de ficção tanto do diretor Max Barbakow quanto do roteirista Andy Siara, e é de um frescor absoluto. O roteiro tem a inteligência de usar um elemento narrativo e estilístico como um ingrediente dramático importante: Nyles e Sarah estão juntos contra o mundo, apenas eles são capazes de entender a jornada um do outro (qual, afinal de contas, é a ideia básica de toda comédia romântica?). E, num momento de pandemia, em que a quarentena faz todos os dias de fato praticamente iguais, nenhuma obra recente parece conseguir tão bem quanto Palm Springs exercer esta dupla função: nos fazer refletir sobre o nosso isolamento enquanto nos presenteia com um delicioso e merecido escapismo. Essa confluência entre a trama e o momento em que ela foi lançada (em julho deste ano, na plataforma de streaming do Hulu) não poderia teria sido prevista pelos realizadores. É uma coincidência feliz, dessas que povoam as comédias românticas e os filmes de viagem no tempo.