Uma revolução na Arte da Cia. Esplendor

“O teatro brasileiro aqui nasceu, com Martins Pena, aqui cresceu, com maiores ou menores dificuldades, e aqui atingiu sua maior idade, com Nelson Rodrigues”.

Barbare Heliodora

“Uma Revolução dos Bichos” mostra a competência e a excelência dos artistas brasileiros.

Bruce Gomlevsky quebrou qualquer tipo de indagação que possa se tentar fazer quanto ao Teatro carioca. Há pouco tempo era possível se ouvir dizer que o Teatro carioca estaria quebrado, o que ficou algum tempo tintilando na cabeça de uma crítica teatral… Mas não, definitivamente o Teatro carioca não está falido! E se estivesse ameaçado, o diretor desse espetáculo acaba de anunciar uma nova Era.

Caros leitores, o teatro Municipal Sergio Porto é palco para uma obra-prima da mais alta relevância do Teatro carioca. Alguns críticos que possam estar desacreditados a respeito dos equipamentos públicos, que há muito tempo, não satisfazem e não trazem bons espetáculos, ficarão satisfeitos se assistirem a esse espetáculo. A máxima de que somente espetáculos que trazem “globais” na ficha técnica lotam teatros cai por terra! Se a peça é boa, o texto é bom, e tudo é feito com primazia, os ingressos irão esgotar! E as sessões para assistir à “Uma Revolução dos Bichos” estão lotadas! Bravo, bravíssimo!

Fundada em 2008, a Cia. Teatro Esplendor está completando quatorze anos de atividades teatrais. A companhia já foi indicada a relevantes prêmios ao longo desses anos: Prêmio Shell de Melhor Diretor (2009) para Bruce Gomlevsky por “Festa de Família”; Prêmios Shell e Cesgranrio de Melhor Diretor (2014) para Bruce Gomlevsky por “O Funeral”; Prêmio Cesgranrio de Melhor Espetáculo (2014) por “O Funeral”; Prêmio Questão de Crítica Categoria Especial para Bruce Gomlevsky pelas escolhas dramatúrgicas da Cia. Teatro Esplendor; Prêmios APTR de Melhor Diretor e Melhor Espetáculo (2012) por “O homem travesseiro” (vencedor nas duas categorias); Prêmio APTR de Melhor Ator (2012) para Tonico Pereira por “A volta ao Lar” e “O homem travesseiro” (vencedor nas duas premiações) entre outros.

E como se não bastasse trouxeram também outro clássico, “O Tartufo”, não apenas aclamado pelo público, mas vencedor do Prêmio Shell de Melhor Iluminação para Elisa Tandetta e também do Prêmio Questão de Crítica para a companhia. É evidente que a cada obra eles se superam, porque outras muitas premiações de certo virão, e se não vierem, é preciso que se mude todo o corpo de avaliadores. FATO!

Ao entrar no teatro, cheiro de feno, artistas e uma iluminação muito bem dimensionada já estão à espera do público. O ator Jean Marcel Gatti está encanado em um galo, com movimentos fidedignos, não somente bons, mas perfeitos! Com caracterizações e figurinos que levam com devoção à fazenda de George Orwell. A cena já anuncia que o espetáculo provavelmente será foda!

O romance “Animal Farm”, lançado em 1945, pelo escritor, jornalista e ensaísta George Orwell (1903-1950), se tornou um clássico contemporâneo, sendo um dos livros mais lidos do mundo. O texto de Orwell é uma fábula sobre um grupo de animais que se rebelam contra o dono da fazenda e a exploração por parte dos humanos. É uma alegoria sobre o totalitarismo, mais especificamente sobre os rumos tomados pela Revolução Russa de 1917. (Sinopse)

A montagem foi executada, após ter sido contemplada pelo edital FOCA, da Secretaria Municipal de Cultura. Quem tem assistido aos espetáculos promovidos pelo edital percebe as salas vazias e as inúmeras obras escabrosas, difíceis de assistir até o final. Mas, enfim, já quase no final do ano, após muitas tentativas, é merecido estender os parabéns ao curador que examinou esse projeto e presenteou o público carioca com essa riquíssima obra, que beira a perfeição.

Gustavo Damasceno merece ser o primeiro mencionado. Ele transforma humanos em animais. Ele não entrega um trabalho simplesmente, ele realiza O TRABALHO. Difícil imaginar quantas horas ensaiaram para nos oferecer uma obra desse porte e tamanho. Os animais estão lindos, conquistadores, fiéis, esbanjam riqueza de expressão corporal há tempos não vista. Uma direção do mais alto nível, olhares, trotes e o não utilizar as mãos para qualquer movimento em cena.  As galinhas, o burro, os cavalos, o bode todos perfeitos. Está tudo divino, um trabalho sagrado!

A caracterização de Mona Magalhães também apresenta um valor não dimensionável. Traz verdade a cada um dos animais. Que maravilha!

A figurinista apostou no menos é mais, e simplesmente acertou. Nem mais, nem menos, cada peça parece se ajustar ao corpo destinado, tudo absurdamente adequado. A atuação do artista e o figurino se completam, é uma transformação real, esse é o ponto crucial para a perfeição apresentada.

A trilha sonora de Marcelo Alonso transporta a várias dimensões, arrepia em muitos momentos. Inesquecível quando o tirano porco Napoleão proíbe arte entre os animais, a música ao fundo é simplesmente uma benção ao que se permite ver. O hino dos animais, de Zélia Duncan, também é belíssimo. Zélia, por toda sua postura política, deve ter ido aos céus enquanto compunha!

O que falar de Yasmin Gomlevsky? A profissional atuou como preparadora vocal dos animais e humanos. Se o espetáculo tange o mais alto nível, deve-se também à Yasmin, que trouxe verdade as performances. É por intermédio de seu cuidadoso trabalho que o espectador é conquistado. Cada animal com sua narrativa apresenta os sons que o representam. Um trabalho belíssimo, do porco ao burro. O que se vê é de uma excelência incontestável!

Vamos aos artistas, esses que permitem sonhar. Tudo começa com um discurso lindíssimo, digno de palmas, da porca Major, interpretada pela belíssima Victoria Reis. Ela parece fazer uma prece, ou quem sabe um discurso épico, assim que abrem a cortina e já se nota a eficiência e a cadência de uma obra impecável. As patas da porca, legitimadas nas mãos da atriz. Uma atriz que merece reconhecimento por esse ato no Teatro, sua atuação merece ficar guardada na alma. Ela poderia desafiar qualquer renomada atriz brasileira. Incrível!

O ator Gustavo Damasceno cria repugnância, é possível que o público sinta muita raiva e asco de ver o artista no palco, tamanha sua façanha e brilhante interpretação. Ele é capaz de extirpar os piores sentimentos de dentro de cada um presente, enquanto se transforma no atual presidente da república, ou no cruel Napoleão que mata e passa por cima dos demais animais da fazenda, cria leis que não protegem os demais bichos, um tirano! O ator tão bom, tão bom, que provavelmente todos da plateia saem ressentidos com ele, será preciso um tempo para digerir e esquecer tudo o que ele construiu em cena.

Pedro Di Carvalho é o cavalo Guerreiro, que traz a realidade de tantos brasileiros exaustos e sem o direito de descansar e o que comove o público. Pedro atua majestosamente, com seu bigode, suas costas e pernas atua com a dignidade e a beleza que todo artista deveria encontrar em suas construções. A seu lado, as éguas não fazem diferente, Camille Leite e Victoria Reis com castanholas em punho traduzem o som dos cascos e trotes.

Daniel Leuback é Mabel, o bode. O artista é um bem maior do Teatro carioca. Ele, com suas expressões corporais tão bem assumidas, as patas de bode por meio de suas mãos estão divinais.

Benjamim é o burro vivido por Ricardo Lopes. Que linda atuação! Seus movimentos mais vagarosos fazem perceber tratar-se de um animal com idade mais avançada. Lindo de se ver!

Lucas Gabois encena Sergio Moro, opa, quer dizer, Guincho — o porco! Ele conduz os demais animais para as maldades implícitas de Napoleão! O ator sabe trazer comicidade na dose certa, ele é incrível, atuação gigante! Merece palmas e mais palmas!

São muitos artistas, vale dizer que cada um fez seu trabalho com precisão, as atrizes que levaram as galinhas ao palco estavam ótimas, com todos os movimentos e olhares. Os carneiros, que pareciam teleguiados o tempo inteiro, e evidenciam o que acontece com a sociedade, que defende cegamente um fascismo abominável. O movimento do corvo é um transbordo cênico, traduz o que são trabalhos de cena e corpo impecáveis. Os cachorros, todos estão perfeitos, “abanam os bumbuns” porque não têm rabos, os olhares e línguas atuam magicamente. Trata-se de um elenco agressivo, quando se percebe tantas atuações arrebatadoras. As vacas/atrizes mugem sem leviandade. Todos belíssimos!

A obra foi concebida há mais de dois anos e ensaiada on-line. Quem entende um pouco de Teatro pode dizer que o texto da dramaturga Daniela Pereira de Carvalho é só um primeiro passo. A montagem da obra é mérito total do diretor artístico Bruce Gomlevsky e desse incrível elenco. São deles todo o mérito, pois é durante os ensaios que os artistas dão vida aos papéis mortos, deles surge a graça e deles surgem as ideias, como uma fonte inesgotável de água pura. É como se fosse uma tomada de decisão e criação, de acordo com cada um, que se movem com os ventos e se moldam, montando um cenário de folhas e boas sensações.

A Bruce Gomlevsky coube também a cenografia, que com a iluminação da premiada Elisa Tandeta, dá mais força ao espetáculo. Feno e objetos de cena transportam à fazenda. A chuva, que molha a atriz Yasmin Gomlevsky é belíssima. Tudo absolutamente singular.

Essa peça fez com que eu, Patrícia Lopes, crítica teatral, me reconciliasse com os equipamentos públicos, regozijasse minha alma, porque de um tempo para cá estava afastada, desanimada, assistindo sempre a obras que não me alcançavam. Mas, esta semana fui surpreendida. Assisti a outro espetáculo, só que dessa vez, um show musical, no Centro de Referência da Música Carioca Artur da Távola, com Fernando Anitelli do Teatro Mágico e a banda Tem Amor, todos cheios de poesia, com músicas que trazem nobreza a qualquer ser humano. No resumo, a semana fechou, com chave de ouro, chancelando o que penso dos artistas brasileiros, que mesmo diante de tantos vetos permanecem voando em balões belíssimos, trazendo aos nossos olhos cores, brilhos e novas perspectivas, e as nossas escutas salmos de nossa arte, tão rica e surpreendente!

Cia. Esplendor, a vocês segue um agradecimento por sua arte, que causa rebuliço e permite perceber o quanto somos felizes por viver em um Brasil, agora, mais bonito que antes!

 

UMA REVOLUÇÃO DOS BICHOS

Teatro Sérgio Porto

Rua Humaitá, 163, Humaitá

Temporada até 30/10

Sextas, sábados, às 19h e domingos, às 18h

Ingressos R$ 40 e R$ 20 (meia)

Duração 2h30

Classificação 16 anos

Informações (21) 2535-3846

 

FICHA TÉCNICA

Dramaturgia: Daniela Pereira de Carvalho

Direção: Bruce Gomlevsky

Assistência de direção: Lízia Bueno

Caracterização: Mona Magalhães

Iluminação: Elisa Tandeta

Cenário: Bel Lobo e Bruce Gomlevsky

Figurino: Maria Duarte

Trilha sonora original: Marcelo Alonso Neves

Hino dos Animais: Zélia Duncan

Direção de Produção: Gabriel Garcia e Luiz Prado

Assistente de Produção: Taynah Angel

Realização: Cia Teatro Esplendor / BG ArtEntretenimento ltda

Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

ELENCO – PERSONAGEM

Gustavo Damasceno – Napoleão

Yasmin Gomlevsky – Bola de Neve

Ricardo Lopes – Benjamin

Victória Reis – Major – Sra. Jones

Glauce Guima – Moisés

Lucas Garbois – Guincho

Gabriel Albuquerque – Sr. Jones

Pedro Di Carvalho – Guerreiro

Daniel Leuback – Mabel

Camille Leite – Tulipa

Raiza Noah – Chica

Jean Marcel Gatti – Galo / Pinchfield / Sr. Homem

Éder Martins de Souza – Porco / Frederick

Sol Souza – Gata

 

CORO

Gabriel Sednen

Jéssica Luz

Léa Nogueira

Marianna Bittencourt

Paulo Tarsia

Valentina Ghiorzi