A plenitude de Stavis

“Entidade” é como o diretor Marcos Damaceno faz a sua leitura sobre a atriz Rosana Stavis, e fica impossível contestar tal informação. A síntese do diretor não contém leviandade, muito ao contrário, é a mais pura verdade, aliás, a melhor entre todas as verdades, pois não é contraditório. O que Rosana proporciona à plateia do Centro Cultural Banco do Brasil, deixa evidente o que é espiritualidade, ou como também disse o diretor “pleno domínio de sua arte”.

A peça apresenta entre os personagens centrais, o renomado pianista John Marcos Martins e o pianista Polacoviski, que tem um destino trágico.

A narrativa se desenvolve a partir de lembranças, de pensamentos e da imaginação de uma terceira personagem, a narradora, amiga de John Marcos Martins e de Polacoviski, e por eles apelidada de Aforista.

“A narradora aparece a todo momento andando e pensando alto como a história toda aconteceu. Sua relação com seus antigos amigos de faculdade, o caminho que cada um seguiu. E onde esses caminhos os levaram. E o quanto suas escolhas influenciaram a vida uns dos outros.” (Fonte Sinopse)

Texto denso requer atenção do espectador para ser bem compreendido. E, quando se entende, é como dar um mergulho em um bálsamo de ervas aromáticas, escolhidas a dedo.

É aconselhável ler a sinopse antes de assistir à peça. E é de suma importância manter-se concentrado, com atenção no espetáculo, para não se perder na dramaturgia.

O autor do texto é Thomas Bernhard. A dramaturgia não carrega peso, não apresenta marasmo, pois a atriz não deixa. Seu dinamismo no palco é tão grande, que os espectadores buscam entender o caminho da sua personagem, sedentos por ouvir toda sua história.

O texto é provocativo, análises são trazidas e alimentam novas concepções, entre elas a da vida, a da amizade e a da vaidade.

Thomas é um autor com fortes características, ele mesmo, após sua morte em 1989, proibiu que suas peças fossem apresentadas na Áustria, onde nasceu, por não ter perdoado a ideia do seu país, um dia, ter abraçado o nazismo. Sempre muito polêmico, soube conduzir seus textos aos mais diversos prêmios.

Beto Bruel é o responsável pela engenhosa iluminação. Bruel desnuda todo o espetáculo, e é magnânimo a cada luz que acende diante dos olhares ávidos da plateia. Por meio do excelente trabalho de Beto são valorizadas a cenografia e as expressões faciais da atriz em cena. Um verdadeiro show! Um dos melhores já assistidos por esta crítica, é fato!

O espetáculo não tem uma época definida, mas a figurinista Karen Brusttolin fez um belo mergulho na moda, trouxe a renda rococó e a gola da época, muito utilizada pelos pianistas Bethoven e Mozart. O tecido utilizado e o corte ostentam um poderio inexplicável.

Damaceno transformou o palco do CCBB Rio, em uma obra de arte, seu olhar cuidadoso, deixou tudo perfeitamente no lugar, os pianos, a cenografia, a atriz, parece que estamos imersos em um filme, protagonizado por uma importante atriz hollywoodiana. Nada a dever para as produções norte americanas, devido aos efeitos trazidos por ele. Um verdadeiro primor, não há espaço vazio no palco.

O cenário de Marcos Damaceno apresenta a ideia de um caminho, o caminho percorrido por Aforista, enquanto ela narra sua história e a história de seus amigos, embasada em suas próprias percepções, seus aforismos, que algumas vezes, fazem a plateia rir. Rir de si mesmo, rir do outro, ou rir da atriz. É tudo conflitante demais para tentar por esse texto em uma caixinha, nada é óbvio. A única certeza que pode-se ter é de que Damaceno merece todo reconhecimento.

A cabeleira da atriz/personagem, me transportou a tantos universos… fui à inteligência de Einstein, que por sinal cai perfeitamente nesta crítica, afinal, o texto é de uma sagacidade ímpar!

Belíssimo também é o visagismo do espetáculo!

Fui também até o próprio autor do texto, com sua cabeleira farta, pensando como pode ter criado esse texto visceral. Pensei em Bernhard andando de um lado para o outro, falando com ele e com as minhocas da cabeça dele, pensando em todos os aforismos para montagem desse texto. Incrível os plurissignificados a que se pode chegar.

O teatro contemplou outra linguagem da arte, acolheu a música, são dois pianistas no palco: Sergio Justen e Rodrigo Henrique, que atendem e aguardam sua vez para dedilharem, como se estivessem vibrando uma canção celestial ao próprio Deus, com uma cadência em perfeita harmonia com a atriz, com o texto, com a iluminação. Tudo regado com sapiência artística. Detalhe: as músicas foram compostas para o espetáculo por Gilson Fukushima, tudo autoral.

O espetáculo homenageia,muito merecidamente, o pianista brasileiro João Carlos Gandra da Silva Martins, por sua vida como pianista e maestro.

Quanto a Rosana, como foi possível fazer o que ela fez? Quanto tempo foi dedicado para se obter essa execução prodigiosa? Quantas vezes ela pode ter se esquecido dela mesma, na construção dessa personagem? Qual a reza? Qual o credo que concedeu o milagre, de fazer e ser, com perfeição, a Aforista de Thomas Bernhard?

A Aforista brasileira, Rosana, ao contrário dos ressentimentos do autor a seu país, nos honra e nos dá orgulho por sabermos que ela é uma de nós, uma brasileira, mais uma artista julgada por saber levar seu público aos céus!

Sem sombra de dúvidas, a imagem dessa atriz e todos os elementos teatrais utolizados nessa obra estarão em minha memória eternamente.

A imensidão artística de Rosana e sua atuação prodigiosa, em cima de uma caixa de alguns centímetros durante intensos setenta minutos, sem titubear, mantendo impecável seu texto, é de tirar o fôlego!

O texto é imenso e ela se abraça a ele, com o tom de voz perfeito, aveludado aos ouvidos, com movimentos de corpo admiráveis, embora condicionados ao espaço limitado debaixo de seus pés, onde se mantém equilibrada, diante do peso da sua atuação, insuperável, pode-se dizer. Ela leva o público carioca a reconhecer o valor imensurável desse espetáculo.

Palmas e mais palmas… e mais palmas!

FICHA TÉCNICA

Texto e Direção: Marcos Damaceno
Elenco: Rosana Stavis
Pianistas: Sergio Justen e Rodrigo Henrique
Composição e Direção Musical: Gilson Fukushima
Iluminação: Beto Bruel
Figurinos: Karen Brustollin
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Produção Executiva: Bia Reiner
Assistente de Produção: Marianna Holtz
Produção: Cia. Stavis-Damaceno

A AFORISTA

Temporada até 5/3
Centro Cultural Banco do Brasil (Teatro I)
Rua Primeiro de Março, 66, Centro
Quarta à sábado, às 19h30, e domingo, às 18h
Classificação: maiores de 16 anos
Duração: Aprox. 70 minutos
Informações: (21) 3808-2020 ccbbrio@bb.com.br

Valor do ingresso: R$ 30 (inteira) e R$15 (meia)

Estudantes, maiores de 65 anos e Clientes Ourocard pagam meia entrada.

Ingressos adquiridos na bilheteria do CCBB ou antecipadamente, pelo site:

Rio de Janeiro

Funcionamento do CCBB Rio: segundas, quartas, quintas, sextas e sábados, das 9h às 21h; domingos, das 9h às 20h (fecha às terças).