Noutro dia, num dos muitos apagões que ocorrem aqui no Grajaú, meu enteado queria saber como esquentaríamos o almoço sem o microondas, descartado pela falta de energia. E eu lhe disse que, em outra época, só usaríamos o fogão e os fósforos. E que, ainda assim, o mundo era bem parecido.
Conforme falava, ia me dando conta de que, apesar de se perder mais tempo em afazeres periféricos, a vida era, realmente, a mesma vida. E o constante incômodo com essa perda de tempo, nos levava a sonhar em ser livres destas tarefas “menores”, permitindo nos dedicar a coisas mais nobres.
Enfim, chegadas tais tecnologias, o que fizemos? Usamos nosso tempo para salvar o planeta e a humanidade? Nos dedicamos às artes e à cultura? Não. Nos tornamos obcecados pela gratificação material instantânea e passamos a acreditar cegamente no nosso merecimento por vencer as “batalhas” diárias.
A internet traz toda essa recompensa, consumista e “analgésica” em um click, nos livrando de viver a vida real. No entanto, não podemos viver uma vida teórica. Não se come comida teórica, é preciso plantar, esperar, colher, cortar, cozinhar, temperar e só então comer. A vida real, acontece em outra velocidade.
Hoje, nos sobra mais tempo para jogar fora. Nem todos conseguem enxergar. Os artistas sim, a maioria. Mas, além de vítimas, também dependem das tecnologias para se divulgar, criar seu espaço, sua rede… E se passa longe do bom uso, que é equilibrado e imprescindível. O que está acontecendo?
Nestes dias, recebemos no grupo dos colunistas uma charge mandada pela Renata Couto, que brincava com os pecados, chamando-os de “os sete pecados atuais”: Gula (Ifood); Preguiça (Netflix); Ira (Twitter); Luxúria (Tinder); Soberba (Linkedin); Inveja (Facebook) e Vaidade (Instagram). É para parar e pensar…
Só quando a luz acaba, lembramos o valor das coisas ditas “obsoletas”. E toda nossa modernidade se transforma em trevas rapidamente. Perdidos, percebemos que nossa superioridade é muito frágil. E, apesar de crer que tudo se ajustará, desempenho meu papel de artista, dizendo o que vejo de errado.
Aluísio Machado, disse em “Minha filosofia”: “Água demais mata a planta” e, pensando de maneira inversa, como o rei Mitríades vislumbrou, um veneno tomado em pequenas doses nos torna imunes a ele. De forma semelhante, se extraiu a penicilina do veneno da cobra e as vacinas dos vírus e bactérias enfraquecidos. O bom ou mau uso pode transformar algo em nocivo ou benéfico.
A faísca para a iluminação do Buda, se deu quando meditava, às margens de um rio e ouviu a lição de música, vinda de um barco que passava. O mestre dizia: “Se apertar demais, a corda arrebenta. Se afrouxar demais, não toca”. É no equilíbrio que se encontra a doutrina do Budismo – O caminho do meio.
O excesso de informação e a grande profusão de artistas descartáveis, têm criado uma enorme distorção na geração atual, que não tem referências, nem base para discutir. Tornaram-se autômatos, repetindo discursos prontos que, de fato, não representam o que acreditam ou gostariam de dizer ou defender.
Neste mundo onde não se pode apenas correr, é preciso ser maratonista. Não se pode beber uma cerveja, é preciso ser especialista. Não se pode beber um vinho sem ser enólogo. E existe cagador de regra para tudo, os jovens acabam buscando em outras épocas, pessoas reais, que falavam menos e agiam mais.
Sem deterem o saber de que era impossível, faziam…
Ter informação não nos leva, necessariamente, ao caminho certo. É preciso intuir qual informação é relevante… farejar e usar a razão para compreender o caminho, fazendo as devidas correções e compensações. Não há um ditado que diz que agir com fé é, primeiro, botar o pé para, depois, Deus botar o chão?
É preciso desconstruir o herói. Não se ganha todas as batalhas, apenas, se entende que é preciso ganhar mais que perder e que, para isso, todas as vitórias são importantes, mesmo as pequenas. Saber o que não se quer e saber negar é importantíssimo. Como garantem os amigos do A.A. e N.A. – Just for today.
Fernando Pessoa, disse: “A renúncia é a libertação. Não querer é poder”. E é verdade! Nunca foi tão necessário nos libertarmos da ilusão que nos cerca e nos aflige. Que nos acelera e nos dilacera por querermos ser, apenas, nós mesmos e, não, mais uma cópia feita na Ásia.
A internet é fruto do homem, terra fértil para o bem e para o mal. Devemos saber o que vamos estimular e o que devemos deixar atrofiado. O provérbio indígena diz que o lobo que alimentamos é o lobo que vai ficar mais forte e se tornar o dominante. “Por isso, cuidado, meu bem! Há perigo na esquina”.
Na esquina e dentro de nós…
Até a próxima!