O antigo e o atual Teatro fundiram-se tornando a obra de beleza indiscutível. Tudo muito bem executado explica o resultado exuberante. Eis aí Molière!
O meteoro Matheus Nachtergaele caiu no teatro Prudential com toda sua força e perfeição cênicas. Deu vida ao imenso Molière levando a plateia ao delírio, porque é um artista completo e competente, que sabe fazer Teatro como poucos. Um ator com um currículo extenso, nascido para o palco. É possível ver o dramaturgo francês na pele do artista, para quem já assistiu a filmes e peças do artista, não há dúvidas que o dramaturgo não seria tão diferente da criação artística do incrível Matheus!
No momento em que se apresenta para o público, o grande ator aparece pela lateral do teatro, e vem com toda força divina, alcançando os corações dos presentes, como se abençoasse a obra que se inicia. Teatro cheio, todos quietos, olhares fixos no artista, que troca com o público, mesmo encarnado no dramaturgo francês. Nasthergale é brasileiro e por mais que sua voz permita acentos em francês, é um orgulho saber que há um ator brasileiro do tamanho de Matheus Nasthergale. Uma forte característica do ator: se conectar com muita facilidade ao público brasileiro.
Um elenco igualmente formidável garante legitimidade e perfeição a esse espetáculo!
Elcio Nogueira extrapola a beleza do seu personagem quando abraça Jean Racine com a tragédia. Parece que seus objetos de caracterização ainda arrebatam mais a sua performance, de perucas e salto, atua com majestade!
Ele e Matheus incrementam a peça com toda a perfeição que uma obra-prima teatral merece. O clássico de duelos, a dimensão mais completa das Artes Cênicas. Parece que trazem ao palco o símbolo do Teatro, a máscara que evidencia a Comédia e o Drama, está tudo ali resumido nessa obra!
“A ideia das máscaras remonta desde o período da Grécia Antiga e o surgimento do Teatro. O seu uso começou nas festas de Dionisio e com o tempo passou de ser um símbolo de ritual para ser um símbolo teatral, sendo hoje, utilizadas como uma forma de representação totalmente cênica por intermédio de peças clássicas.”
Renato Borghi ao criticar a Cultura no papel do Monsenhor Péréfixe é visceral. Ele em seu ofício, obviamente, amado ofício, vai contra aquilo que com a sua alma defende, que fica no ar a questão: como foi possível para o lendário artista fazer tão maravilhosamente bem essa atuação? Logo ele, que dedica a vida ao Teatro! Que beleza e sorte o ter nos palcos, com tanta vivacidade! Borghi pareceria ter nascido para o papel, não fosse ele o eterno Rei da Vela!
Falando em Rei da Vela, de Oswald de Andrade — o grande modernista, fica impossível não mencionar que todo o figurino parece ter sido criado em 1922, durante a Semana de Arte Moderna, isso é inegável!
Viva Karlla Girotto! A figurinista parece ter dado as mãos aos artistas plásticos para trazer tanta brasilidade e irreverência ao Teatro Prudential, por meio das indumentárias coloridas!
Luiz XIV, o Rei Sol, é o personagem de Josie Antello. Que palavras podem ser usar para descrever a artista? Existem? Porque nada é tão eloquente quanto a sua performance, ela deixa a plateia maravilhada, com sua voz, com suas técnicas corporais e faciais! A vontade é de escrever sem parar, procurar sinônimos mais formais para tentar valorar seu trabalho. Grandiosa e inesquecível! Fica tatuada na memória de todos que a assistem. Uma poesia em forma de artista de Teatro. A vontade é que ela não saia do palco, atue todo tempo, porque é simplesmente prazeroso assistir a essa maravilhosa atriz atuar por meio de seu personagem.
Regina França, a esposa de Racine, não deixa passar despercebida sua beleza. Usa seu corpo a seu favor, aliás, ela usa tudo a seu favor, até o próprio ar que a mantém viva. Belíssima são as suas cenas, ainda mais quando atua ao lado de Borghi, quanta graça, se houve para ela algum desafio em sua interpretação, não parece, pois a atriz mostra tanta segurança e grandiosidade, que eleva qualquer fio de pensamento quanto ao seu ofício a seu favor!
O jovem artista jovem Hissa, que serve ao bispo, é de uma graça, com tão expressiva riqueza em palco, que o torna muito merecedor estar ali, naquele lugar, com sua atuação de excelência entre os imensos artistas que o cercam. O Teatro precisa de sangue novo, e certamente, a vampira aqui, sugou todo esse sangue novo com alegria!
Rafael Camargo é La Fontaine, o Fon Fon, com um arco de borboleta. Quanta autenticidade em sua criação, como é gostoso imaginar o fabulista francês. Que maravilha de execução! As expressões vocais do artista caem bem e são harmoniosas ao texto, tudo muito bem dirigido. As expressões faciais do ator também arrebatam!
Cada um desse elenco tem seu valor, são como as areias das praias, sem estarem juntas, cada uma delas, seria impossível se admirar uma duna!
Cenário e maquete (uma miniatura do palco real do espetáculo é levada ao bispo) são sensacionais e a iluminação causa contemplações perfeitas aos espectadores.
Os músicos estão atuantes e felizes em seus ofícios, tudo muito alegre e envolvente demais, principalmente quando a plateia reconhece as canções.
É possível se ver o Teatro Mambembe, que traz brasilidade ao início do espetáculo, com instrumentos festivos, muito usados pela população, tudo muito rico e animador. É o Brasil se conectando ao dramaturgo francês, com sua beleza ímpar!
Nota-se também quando alguns artistas saem de cena para se juntarem aos músicos no palco, o que mostra a versatilidade dos profissionais, tão completos!
Vale mencionar as maquiagens e objetos de cena, pois todos os detalhes contribuem com beleza e sofisticação, e lógico, o notório sarcasmo para falar dos dias de hoje e de ontem.
A direção de Diego Fortes é marcante, trata-se de um palco enorme muito bem trabalhado. Para duas horas e meia de espetáculo, fato é que houve por parte do diretor um trabalho imenso para harmonizar tanto os que estão no elenco quanto os que estão fora dele.
Amado pelo público e favorito do extravagante rei, Molière trava uma luta tragicômica com seu aprendiz Racine para manter a posição de dramaturgo mais prestigiado da corte. Enquanto isso, o Arcebispo de Paris, grande entusiasta da guerra, Monsenhor Péréfixe (Renato Borghi), tentará se aproveitar do conflito para banir do reino o Teatro e seus artistas, endurecer a censura e lançar a França em uma era de obscurantismo, violência e sacrifício. É mais nobre fazer o público rir ou chorar? Os artistas devem mostrar o mundo como ele é ou como deveria ser? Por que proibir obras de arte e perseguir seus criadores? Até que ponto aqueles que criam devem submeter-se à vontade daqueles que pagam? Estas são algumas das grandes questões que permeiam o enredo do espetáculo. (Sinopse)
A obra, em uma frase: Nada poderia ser comparado a beleza dessa obra, seria um suicídio intelectual daqueles que escrevem para o Teatro fazer qualquer análise negativa dessa perfeição cênica.
FICHA TÉCNICA
Texto: Sabina Berman
Tradução: Elcio Nogueira Seixas e Renato Borghi
Adaptação: Diego Fortes e Luci Collin
Direção: Diego Fortes
Elenco: Matheus Nachtergaele, Elcio Nogueira Seixas, Renato Borghi, Rafael Camargo, Luciana Borghi, Josie Antello, Jorge Hissa, Regina França, Diogo Brandão, Débora Veneziani, Joana Araujo, Fábio Cardoso e Renata Neves
Cenografia: André Cortez
Figurino: Karlla Girotto
Direção Musical: Gilson Fukushima
Iluminação: Beto Bruel e Nadja Naira
Assistente de Direção: Carol Carreiro
Fotos: Eika Yabusame, Jamil Kubruk e Luísa Bonin, Paulo Uras – Estúdio FB
Diretora de Produção: Camila Bevilacqua
Produtor Executivo: Diogo Pasquim
Idealização: Teatro Promíscuo
Produção: Lady Camis Produções
Foto capa: Imagens/Divulgação
MOLIÈRE – UMA COMÉDIA MUSICAL DE SABINA BERMAN
Últimas apresentações
Sábado (1/10), às 20h e domingo 2/10, às 19h
Teatro Prudential
Rua do Russel, 804, Glória
Ingressos pela plataforma Sympla
Capacidade 359 lugares
Duração 120 minutos
Classificação 12 anos
Bilheteria sábado, das 12h às 20h e domingo, das 12h às 19h