Outro dia, estava pensando sobre a invenção de pessoas. Todo mundo é meio criação de outro alguém. E nós nos criamos todos os dias. Queiramos ou não. Se não partir de nós mesmos, a criação é feita pelas circunstâncias. E isso leva muito mais que sete dias.
Ídolos, antes de tudo, são pessoas. Pessoas que inventamos, que projetamos e que se inventam, se transforam ídolos. Nas últimas semanas, chorei a despedida de dois dos meus. Por coincidência ou não, dois mineiros-cariocas ou cariocas-mineiros. Daqueles com os quais, eu tomaria cerveja, como disse em uma crônica passada neste mesmo Jornal Portal.
Primeiro, foi o Fred. Jogador do Fluminense, que se aposentou dos gramados em julho deste ano. Um ídolo no futebol, geralmente, é forjado em títulos, conquistas, entrega em campo. Mas também é feito por sintonia, amor, encontro de almas. O encontro de almas é o maior imã do universo. Nada é tão forte quanto uma ideia que encontra o seu tempo, já dizia o outro.
Fred e o Fluminense se encontraram em um momento favorável na história do clube, ainda que com alguns tempos de crise. Depois, se desencontraram em outra fase. Ruim. Mas há o desencontro. Faz parte. A volta do camisa nove para o Flu foi uma pedalada para a eternidade e esse ano de 2022 não vai me contrariar.
No jogo de despedida de Fred só me restou perder. Encontrar minhas lágrimas. As mesmas que deixei no mesmo Maracanã – mesmo que outro. Não achei que iria sentir tanto a falta de torcer por um jogador em campo. No entanto, o próprio Fred, por idade e problemas físicos, já não era mais o mesmo e isso pesa para quem é gigante. Essa relação com ídolos é estranha. Quando eles param, parece que é um parente ou amigo que foi morar em outro país. O vento que vem de longe tenta secar as lágrimas, porém, é incapaz.
Não existe vento no mundo para secar a emoção que tive no último domingo, no show de despedida de Milton Nascimento. “Milton manda em mim”, disse Chico Buarque. E está errado? Se o Milton mandasse no mundo, só haveria choro de alegria.
Cada palavra que saía da boca de Bituca era um aperto na minha alma. Eu tinha a corretíssima certeza de que estava vivendo a história. Dói viver a história. Mas conforta. Milton, por idade e problemas físicos, já não era mais o mesmo e isso pesa para quem é infinito. Saber que tanto foi feito nos dá chão para seguir. Escrevendo essa crônica, ainda à flor da pele, as lágrimas se apresentam em meu rosto. Cantam Travessia.
“Se Deus cantasse, seria com a voz de Milton”, disse Elis Regina. E está errada? Só acredito nos deuses que cantam e dançam. Enquanto Milton cantava, meus pés, no alto da arquibancada da Janesse Arena, procuravam chão. Na última nota da última música era mais um parente amado que estava de mudança para longe.
Enquanto choro a despedida de ídolos, a história me abraça e me conforta. Ídolos envelhecem e isso é bom, pois só o tempo dos homens é capaz de inventá-los.