Um artista quando é bom faz o público levitar, tem a capacidade de construir memórias afetivas e quando o trabalho é bem elaborado e pesquisado tem sempre um bom retorno, mesmo quando as respostas de patrocinadores e editais não são favoráveis e o merecido incentivo não vem, a necessidade de vencer obstáculos é imensa, mas é possível superá-los, porque o Teatro é vivo e resiste!
A atriz Luciana Braga faz o público caminhar pela linha tênue da vida de duas atrizes, a vida pessoal e profissional da própria Luciana e a vida de Judy Garland. E mesmo simulando desequilíbrio, não desalinha e mantem-se firme sobre a corda bamba, não há sequer uma interrogação nessa atriz. Profissional de alta performance e mulher forte, que sabe driblar os horrores hormonais e todas as intempéries que a cercam.
Irresistivelmente Luciana. É uma grata surpresa conhecer a voz de canarinho da atriz, quando entoa as canções interpretadas pela atriz Judy Garland, ficam todos paralisados em suas poltronas. Mesmo em um teatro lotado o silêncio impera, para que somente a atriz se agigante frente à plateia! Não surpreende ter sido indicada ao prêmio de Teatro da Cesgranrio.
Cá entre nós, o júri soube fazer suas indicações com perspicácia, Laila Garin — A hora da estrela — e Luciana Braga apresentam obras que ficarão eternizadas. Pode-se dizer o mesmo sobre a escolha da atriz Dani Barros, que dá um show ao interpretar, parecia ter encarnado a própria Bibi Ferreira, na peça “Tudo”, uma das performances de mais alto nível do Teatro brasileiro.
Mas existem diferenças entre elas, é preciso ressaltar: O patrocínio que Luciana não teve! E fique claro, não por falta de capacidade, ou mérito, o espetáculo é um verdadeiro transbordo de profissionalismo. E, mesmo sem o investimento monetário adequado para a sua montagem, o musical é robusto, belo, delicado e primaveril, ainda que diante das tristezas vividas pelas atrizes e representadas no palco. A obra é simplesmente arrebatadora! Mesmo precisando driblar as dificuldades para realizar o espetáculo, produção e elenco apresentam um espetáculo vigoroso que lota a plateia. O que não podia ser diferente! O tempo passou, mas Luciana traz as mesmas característica da jovem atriz das novelas que participou, continua forte, sedutora. A atriz jovem e qualificada, mais experiente e ainda carregada de vida!
O espetáculo, que celebra o centenário da estrela de Hollywood e os 35 anos de carreira do autor e diretor Flavio Marinho, é costurado por números musicais famosos de Judy, como “Over the Rainbow”, de O Mágico de Oz (1939), filme pelo qual a estrela americana ganhou o Oscar, em 1940.
“Na trama, além das famosas tragédias, uma faceta menos comentada da atriz, cantora e dançarina: seu bom humor. Tudo isso em uma história em que se misturam passado e presente, ficção e realidade.” (Sinopse)
Luciana esteve em cartaz com o espetáculo “Sangue”, dirigido pelo também artista Bruce Gomlevsky, segundo a crítica, “Luciana encontrou o tom perfeito para a sua personagem”, e agora, parece ter acertado no alvo mais uma vez. Ela não só apresenta a vida de Judy Garland, como faz uma ponte aos dessabores de sua própria vida. Ambas parecem estar emparelhadas em alguns momentos, suas histórias se fundem em alguns momentos no texto.
Falando em texto, o compasso dele tem a cadência certa, é explicativo, fala a todos, o que é importante. Todos saem do teatro entendendo as vidas de Judy e de Luciana. O texto apresenta a caminhada das atrizes, seus arranhões, suas vitórias, tropeços e insucessos. Mas ao contrário de Judy, Luciana atravessa sua história com força e coragem.
O musical é lindo, Luciana é acompanhada pelos musicistas Liliane Secco e André Amaral, que simplesmente dão outro show no palco do teatro. As canções escolhidas são primorosas e tudo fica perfeito, quase sempre recepcionadas com aplausos.
O teatro de animação é uma graça, traz a boneca Judy, cantando ainda criança, mostrando a incrível façanha da diva quando ainda era bem novinha. O lúdico chega com beleza para o público. Belíssima forma de contar o horror vivido por Judy e deixar que todos percebam como muitas vezes a beleza existe só por fora e por trás de tanta exuberância e suntuosidade pode existir o caos, ainda mais na vida das mulheres. Entretanto, sabe-se que de tempos em tempos, novos grilhões são quebrados, mas para muitas, o passado foi repressor, como no caso de Judy.
Figurino e cenário são apresentados por Ronald Teixeira, que o faz com destreza e verdade, mergulhou no estilo da época vivida pela atriz Judy Garland. A iluminação de Paulo César Medeiros também dá à atriz armas para mostrar, o final do espetáculo é de uma delicadeza impressionante. Impossível não se emocionar.
Luciana, fala sobre a música mais esperada, “Somewhere Over the Raimbow”, nesse momento ela senta no palco próxima à plateia, que a essa altura já é de fãs, e relembra alguns fatos, exatamente como fazia Judy, ao final de seus shows. Todos sabemos o quanto os homossexuais amavam Judy e o quanto ela os reconhecia e os respeitava, como se conectavam pelas letras de suas músicas. “Quando eu desmaio eu tenho visões de gays cantando ‘Over the rainbow’…”, palavras da própria atriz. “I don’t care” transmitia a mensagem que repercutiu com os fãs gays: “Não tente me reajustar/Não há nada que possa mudar-me/Pois eu não me importo!”. Luciana faz uma ponte com o acontecimento em Stonewall, marco da comunidade LGBT e da morte de Judy.
A morte de Judy foi no mesmo mês e ano do movimento. Aquele mês para a comunidade era marcado pela dor, e milhares de gays acompanharam Judy em seu último adeus. E óbvio, que estavam acuados diante da dor, mas parece que a força de Judy, que se reinventava os cobriu, como um manto protetor e tudo aconteceu. A bandeira do arco-íris tem várias versões, mas nenhuma delas é tão “Over the Rainbow”.
A mãe de Lisa Minelli também existe em nós, especialmente nos dias ruins e também na arte de se reinventar. Assim, Luciana também estará em nós, nas novelas em que a assistimos, no rostinho de menina ainda que mulher, na voz doce e suave, na sua estatura pequena e na sua imensa atuação. Luciana se desnuda para seu público, que lhe entrega a alma. Lágrimas rolam e são timidamente secadas pelas mãos. A atriz pode não ter tido o grande e merecido patrocínio, mas trouxe o melhor ao palco, trouxe verdade, brilho e humanidade, trouxe a mulher, suas fragilidades e fortalezas, mostrou as armas certas para que sigamos caminhos menos doloridos. Luciana é uma atriz impactante e com Judy, tornou-se ainda maior. Porque nelas há talento de sobra, há Teatro, são como um rio de verdades e virtuosidades, que nunca secará!
FICHA TÉCNICA
Autor e Diretor: Flavio Marinho
Elenco: Luciana Braga
Diretora Assistente: Juliana Medella
Diretora Musical: Liliane Secco
Músicos: Liliane Secco e André Amaral
Preparação Vocal: Felipe Abreu
Fonoaudióloga\ Vocal Coach: Angela de Castro
Cenário/ Figurino: Ronald Teixeira
Assistentes de Cenografia e Figurinos: Ricardo Junior e Jovanna Souza
Alfaiataria: Macedo Leal
Direção de Movimento: Tânia Nardini
Iluminação: Paulo César Medeiros
Operador de Luz: Marco Cardi
Cenotécnico: Humberto Junior
Produção Executiva e Direção de Cena: Marcus Vinicius de Moraes
Assistente de Produção: Márcia Serra
Assistente Administrativo: Mádia Barata
Contabilidade: Guararapes Contabilidade
Designer Gráfico: Gamba Jr.
Fotografia: Beti Niemeyer
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
Voz Off: Marcos Breda
Mídias Sociais: Marcus Vinicius de Moraes
Visagismo: Beto Carramanhos
Assessoria Jurídica: Roberto Silva
Direção de Produção e Administração: Fábio Oliveira
Coordenador de Projeto: Flavio Marinho
Realização: Marinho D’Oliveira Produções Artísticas Ltda
JUDY: O ARCO-ÍRIS É AQUI
Temporada até 28/8
Teatro Vanucci
Rua Marquês de São Vicente, 52, 3º andar
Sextas e sábados, às 21h e domingos, às 19h
Ingressos: R$ 90e R$ 45 (meia)
Duração 90 minutos
Capacidade 425 lugares
Classificação 12 anos
Vendas pela plataforma Sympla e na bilheteria
Fotos: Beti Niemeyer